Por Luisa Shinzato*
Um gigante industrial reestruturando suas operações globais em meio a conflitos geopolíticos. Uma varejista nacional iniciando seu processo de digitalização em meio a mudanças no regime tributário. Uma rede social redesenhando suas operações em vista de alterações ao Marco Civil da Internet. Em cada cenário, o jurídico está no epicentro da tomada de decisão que impactará o futuro dessas empresas. Com uma boa dose de criatividade, enraizada em um robusto conhecimento técnico, o advogado tem a oportunidade de atuar como um parceiro estratégico do negócio, traduzindo riscos em oportunidades e antecipando desafios. Este artigo explora algumas habilidades que compõem esse novo olhar sobre a prática jurídica (interna e externa), que deixa de ser um centro de custo para ser um centro de criação de valor, tendo a experiência do cliente como um grande diferencial.
Advogado in-house, o guardião estratégico
O grande valor do advogado in-house como parceiro de negócios é sua capacidade de mesclar conhecimento jurídico e operacional para impactar positivamente a estratégia do negócio, com destaque para determinadas habilidades:
Ser um comunicador poliglota
A capacidade de se comunicar de forma eficaz é crucial. Isso demanda ser um verdadeiro “poliglota” no ambiente corporativo, adaptando a linguagem jurídica para diferentes públicos internos. Um CEO precisa de informações concisas que impactem diretamente a estratégia. Por outro lado, um engenheiro precisará de informações técnicas mais detalhadas sobre licenças ou requisitos legais da operação. Além da estratégia com relação a conteúdo, é também importante discernir o melhor formato da comunicação.
O formato deve dialogar com a própria cultura da empresa, considerando a maneira que o público-alvo absorverá a informação. Por exemplo, para compartilhar com o time de vendas as regras mais relevantes de um contrato com um cliente, vale considerar um “mapa mental” (usando princípios de legal design, por exemplo), ou uma planilha de Excel. Para verificar a conformidade com requerimentos técnicos que um time de engenharia precise cumprir, talvez a melhor estratégia seja inserir tais requisitos em uma ferramenta de acompanhamento de tarefas (dashboard, Power BI, por exemplo) já utilizada pelo time para outros fins. Em outras circunstâncias, o bom e velho e-mail será a melhor ferramenta. O bom advogado interno sabe transitar entre essas diferentes formas de comunicação, além de estar atento aos vários “idiomas” do seu meio.
E como comunicação não é apenas falar, mas também escutar, o advogado poliglota precisa saber ouvir seus clientes internos e entender suas preocupações, encaixando-as no preceito jurídico adequado. A habilidade de ter uma escuta ativa é um fator fundamental para a entrega de valor in-house. É importante sempre lembrar que a forma de pensar de cada meio profissional funciona de maneira diferente, e suas reais necessidades virão até o advogado em variadas roupagens. Cabe ao advogado ser capaz de ouvi-las e extrair as principais questões jurídicas por trás. Esse é um dos desafios mais interessantes da vida corporativa. Quando uma conversa, ou um pedido de socorro, se transforma na ponta de um novelo de lã que o in-house descobre ao começar a puxar o fio.
Um exemplo interessante dessa capacidade de comunicação poliglota é o de Brad Smith, que já ocupou cargos de General Counsel e Chief Legal Officer da Microsoft, sendo hoje o Vice-Chair e Presidente da Microsoft Corporation (tendo trabalhado por anos em escritório de advocacia norte-americano antes de ingressar nesta gigante da tecnologia). Para cada uma dessas posições, Brad certamente precisou adotar estratégias de comunicação diferentes, inclusive para sair de posições essencialmente jurídicas e passar a atuar como Vice-Chair e Presidente. Durante a sua carreira, Brad Smith demonstrou uma integração do seu papel legal com a estratégia de negócios, liderando discussões sobre inteligência artificial, privacidade e segurança cibernética, e tendo uma voz ativa na propositura de políticas públicas no setor de tecnologia [1].
Ser um facilitador de negócios
A sinalização do “sim”, “não” e “depende” não é mais suficiente na advocacia in-house. O advogado corporativo precisa ir além da identificação de riscos, propondo soluções criativas e alinhadas à realidade operacional da empresa. Propor a solução “legalmente perfeita”, mas que não condiz com a realidade da empresa, não é uma opção. A capacidade de equilibrar o rigor legal com a agilidade necessária ao ambiente de negócios é um grande diferencial.
Além disso, a melhor solução, em sua maioria, não será puramente legal. Ela provavelmente envolverá a implementação de iniciativas multidisciplinares. Por exemplo, em uma negociação de contrato complexa, o advogado com uma mentalidade de "fazer acontecer" não apenas revisará cláusulas, mas sugerirá estruturas alternativas, cenários de mitigação de risco e estratégias de negociação que acelerem o fechamento do acordo. Ele também sugerirá aos times comerciais e técnicos determinadas estratégias de vendas ou operacionais (saindo da sua “caixa” do Direito) para manter a conformidade com o acordado, ou evitar a materialização de certas situações.
E o advogado somente conseguirá propor soluções multidisciplinares se tiver conhecimento de como o negócio funciona e quais áreas podem auxiliá-lo na proteção da empresa. Para tanto, é necessário ter postura inquisitiva em busca de uma visão holística do negócio, e a habilidade de alcançá-la nos leva ao último ponto.
Saber construir pontes
O advogado não aprenderá a linguagem de suas diferentes audiências, nem conseguirá ser propositivo em sua assessoria, sem ter um conhecimento amplo de operações e objetivos do negócio. Uma ótima forma de ter essa visão é por meio da construção de relacionamentos sólidos com variados níveis e áreas internas. A construção dessas “pontes” permite que o advogado se insira na cultura da empresa e entenda como ela se manifesta em cada área, seus objetivos estratégicos e desafios operacionais (e eventualmente a influencie diretamente).
Um exemplo disso é o caso de Jen Berrent, que começou sua carreira no WeWork como General Counsel, se tornou Chief Legal Officer, mas não parou por aí. Ela também atuou como Chief Culture Officer, tendo um papel relevante na construção do próprio WeWork e da sua cultura. Sobre seu tempo no WeWork, e sua atuação como CCO, Jen comenta que, como General Counsel, o seu papel era transformar o departamento jurídico no apoiador principal das operações e do crescimento do WeWork. Segundo Jen, seu time criou processos e políticas que auxiliaram a empresa no processo de abertura e operação em diferentes mercados, focada em manter a cultura do próprio time jurídico flexível, intencional e com uma visão estratégica de priorização. O passo seguinte de expansão da cultura de seu time para a cultura geral do WeWork veio naturalmente, segundo ela [1].
O relacionamento construído dia a dia transforma o advogado in-house em um verdadeiro parceiro do negócio, um conselheiro de confiança, indispensável para a equipe estratégica. Garantir o lugar do jurídico “à mesa” desde o início de um projeto permite a antecipação de problemas, a criação de oportunidades, e um aconselhamento verdadeiramente integrado.
Advogado externo, o parceiro especializado
O advogado in-house, na sua função de comunicador estratégico, busca no parceiro externo um consultor de confiança capaz de complementar e potencializar o seu conhecimento legal. A escolha do advogado externo ideal passa, invariavelmente, pela qualidade da entrega e experiência.
Ser um especialista
Para o advogado in-house, a contratação de um advogado externo vai muito além da competência técnica. O grande diferencial é a segurança que o advogado externo transmite por meio de seu entendimento especializado da indústria do cliente. Isso inclui não só seus desafios regulatórios específicos, mas também as tendências de comportamento da indústria, modelos de negócios e tendências de práticas jurídicas. A expertise setorial é um forte critério de diferenciação na busca de um parceiro que "fale a sua língua" e que possa aconselhar de forma direcionada para as especificidades do cliente. Por exemplo, a capacidade do advogado externo, baseado no conhecimento adquirido de casos anteriores, antecipar que a ausência de uma cláusula específica daquele mercado poderá gerar problemas no futuro. Ou sugerir ao cliente uma estrutura societária, ou estratégia de conformidade regulatória, que tem funcionado para a indústria.
Oferecer insights proativos, antecipando riscos e oportunidades que se alinhem diretamente aos objetivos estratégicos do cliente, alertas sobre novas regulamentações específicas do setor ou sugestões de melhores práticas adaptadas à realidade da indústria, são diferenciais que reforçam o papel do advogado externo como um consultor estrategista do negócio do cliente.
· Ser um tradutor eficaz
A era de pareceres jurídicos tradicionais para clientes corporativos talvez esteja chegando ao seu fim. Em um mundo de inteligências artificiais que produzem textos complexos em segundos, a habilidade de traduzir o jargão jurídico complexo em uma linguagem objetiva e acessível, mantendo a solidez jurídica, é um desafio e uma grande oportunidade.
O parecer com maior utilidade estratégica para o cliente jurídico corporativo é aquele que constrói o conhecimento e permite que o cliente adapte e aplique as recomendações em suas próprias decisões e operações diárias, com soluções legais e práticas. Ademais, como mencionado anteriormente, o cliente jurídico corporativo é um comunicador estratégico. Ele entende os conceitos jurídicos e os transforma de acordo com sua audiência. Se o produto do escritório externo já vem com uma estratégia de comunicação pensada para esse público interno, isso certamente agregará maior valor ao seu trabalho. Explorar os princípios de legal design, ou a utilização de sumários executivos, são pequenas iniciativas que representam um diferencial no recebimento do material pelo cliente corporativo.
Além da lei, rumo à experiência e criação de valor
Na jornada do jurídico corporativo sob um novo olhar, a excelência técnica é o ponto de partida, mas a entrega e a experiência são o destino. Tanto no papel do guardião estratégico, quanto no de parceiro especializado, a atuação do advogado demanda a comunicação estratégica e o foco em agregar valor real e tangível ao negócio. A função jurídica conduzida com excelência transcende o seu papel tradicional, moldando direções e funcionando como um verdadeiro motor do crescimento do negócio. Abraçar essas habilidades eleva a função jurídica interna e externa e pavimenta um caminho no qual a atuação jurídica torna-se sinônimo de eficiência e sucesso compartilhado.
[1] Conteúdo integral da entrevista (em inglês): https://www.builtinnyc.com/articles/what-its-like-to-work-at-wework-jen-berrent
Sobre a Autora
*Luisa Shinzato é Global Manager, Legal & Corporate Affairs, BEES