Por Maria Goldberg *
No mercado jurídico empresarial, “diferencial” é palavra tão repetida que, muitas vezes, perde a densidade. Muitos confundem com competência técnica — mas competência é apenas o bilhete de entrada. O que realmente diferencia não é apenas estar apto a executar bem, mas alterar o rumo de um jogo complexo enquanto ele acontece.
Penso que há verdadeiro valor na capacidade de enxergar oportunidades que ainda não existem para os outros. No contexto jurídico, isso significa detectar riscos ou movimentos de mercado que ainda não têm nome, antecipando-se a eles ou gerando oportunidades jurídicas que convertam em resultado financeiro para a empresa.
Diferencial, portanto, não é um adjetivo no currículo. É uma forma de pensar e agir que provoca movimentos: mudar a pergunta que está sendo feita, enxergar a negociação de um ângulo improvável, abrir caminhos que antes não eram visíveis.
Passemos, então, ao como.
O primeiro movimento deve ser sempre interno
Antes de ser comunicado, um diferencial precisa ser reconhecido por quem o possui. Isso exige mais do que listar competências: pede um trabalho de arqueologia profissional (que começa de dentro para fora), escavando situações em que a atuação pessoal alterou substancialmente o resultado esperado.
Um profissional se constrói pela experimentação, muitas vezes em papéis que inicialmente parecem fora da zona de conforto. Ao revisitar a trajetória com esse olhar, é possível identificar não só “o que” foi feito, mas “como” foi feito — e por que esse “como” é singular.
Algumas perguntas incômodas ajudam:
Onde minha intervenção mudou não apenas a resposta, mas a própria pergunta?
Em que momentos conectei pessoas ou agendas que pareciam incompatíveis?
Quais desafios enfrento com naturalidade enquanto outros gastam energia excessiva para o mesmo resultado?
As respostas estão nas histórias não documentadas, nas reuniões em que a tensão cedeu e nas negociações que se destravaram sem que todos percebessem exatamente por quê.
Esse exercício de busca exige um olhar generoso com a própria trajetória e também sincero. Se ao fazê-lo, não se consegue chegar a algo que você considere diferencial, siga em frente, mas com o olhar atento para “contabilizá-lo” em seu “livro de vida profissional quando achar que faz sentido.
O tangível e o intangível
Em um currículo, sabemos que é comum apenas constar o que se mede: histórico em setores regulados, condução de M&A, métricas de redução de risco. Mas quando se reflete sobre diferencial, parece haver um componente intangível que não cabe em relatórios: ler a temperatura de uma sala, sustentar um silêncio até que uma verdade apareça, dizer “não” quando todos esperam um “sim”, dentre outros.
No jurídico, o tangível abre portas; o intangível mantém essas portas abertas e garante que, do outro lado, haja espaço fértil para novas interações.
Esse equilíbrio é frágil. Um diferencial muito tangível pode ser replicado por tecnologia, ainda mais em tempos de IA ou por outro profissional. Um diferencial exclusivamente intangível pode ser visto como abstrato demais. O valor está na combinação de ambos.
O advogado bom e o advogado diferenciado
Em qualquer sala de decisão, o bom advogado entrega o que foi pedido ou, nos dizeres populares, “é o que ganha”. O diferenciado muda o rumo da conversa. A diferença parece, então, estar no que o advogado faz com o conhecimento que é seu instrumento de trabalho. Os três pontos abaixo demonstram isso, conectando o direito à estratégia, ao contexto e às relações de forma que o resultado vá além do esperado:
Leitura de contexto além do jurídico
O bom advogado resolve o problema jurídico apresentado.
O diferenciado enxerga o problema real — que pode ser político, econômico, reputacional ou humano — e molda a solução para atacar essa camada invisível. Ele entende não só o que foi perguntado, mas por que foi perguntado e qual é a agenda oculta por trás.Capacidade de criar movimento
O bom advogado entrega respostas corretas.
O diferenciado cria deslocamento: muda percepções, abre caminhos, constrói soluções que não estavam no radar. Tem coragem para propor alternativas não óbvias e precisão para saber quando avançar ou quando segurar.Reputação que antecede a presença
O bom advogado inspira confiança quando fala.
O diferenciado inspira confiança antes de falar — porque construiu um histórico consistente de presença e entrega em momentos críticos. Sua autoridade não vem só do argumento, mas do peso que seu nome já carrega no imaginário de quem decide.
O peso invisível das emoções
Nas empresas, acredito que fique mais patente a necessidade da leitura mais precisa do jogo emocional sem obviamente anuncia-lo e sem “trazer a emoção para a mesa” como ato de vulnerabilidade performática.
Essa leitura de subtexto é um diferencial raro e que permite mobilidade de carreira dentro das empresas. Ela não aparece em organogramas, mas influencia mais decisões do que qualquer relatório jurídico. É o campo onde direito e psicologia se cruzam — e onde muitos perdem oportunidades por ignorarem sinais que não estão escritos.
Bill George, em Discover Your True North, mostra que são justamente esses crucibles — momentos de teste extremo — que revelam a essência de um líder. Nessas situações, diferencial não é discurso: é a forma como se navega no caos, se toma decisão com impacto real e se preservam relações essenciais enquanto as placas tectônicas do negócio se movem.
Estar presente nessas horas não é falar mais alto. Muitas vezes é criar e proteger o espaço onde decisões críticas se tornam possíveis.
Ele se comunica ou é apenas transmitido silenciosamente?
Uma vez existente o diferencial, um outro desafio é comunica-lo justamente porque ele se revela em grande parte intangível, relativo ao contexto em que se criou. Existe a meu ver, portanto, uma relação muito clara entre diferencial e reputação.
Seth Godin, em This Is Marketing: You Can't Be Seen Until You Learn to See, lembra que reputação é o que as pessoas dizem sobre você quando você não está presente. E essa reputação é construída no acúmulo de interações coerentes.
Ou seja, será que o diferencial se comunica ou ele é apenas “contabilizado” como seu ativo e percebido pela sociedade em que o profissional se insere?
Questiono porque ele parece preceder a sua presença. É o que faz alguém, diante de um problema incomum, pensar: “preciso falar com essa pessoa”. Não é autopromoção ruidosa, mas o resultado de decisões, comportamentos e impactos que, vistos em conjunto, formam uma narrativa clara e constroem uma reputação.
E essa narrativa pode — e deve — mudar com o tempo. Diferenciais que não se adaptam ao contexto correm o risco de se tornar relíquias: interessantes, mas irrelevantes.
Diferencial não é, então, título nem função. É um conjunto vivo de atributos, escolhas e impactos que fazem alguém ser reconhecido de forma singular. Ele se transforma com o tempo, com os desafios que aceitamos e com os que recusamos. Mas mantém um núcleo: aquele motivo silencioso pelo qual as pessoas nos procuram quando precisam de algo que não se resolve com soluções comuns.
Talvez a medida mais precisa de um diferencial seja o silêncio que precede uma decisão importante: o momento em que alguém, diante de um problema crítico, pensa no seu nome antes de qualquer outro.
Sobre a Autora
Maria Goldberg é Executiva com 25 anos de experiência em direito empresarial. Atuou em grandes empresas dos segmentos de infraestrutura, óleo e gás, educação e energia, dentre elas, Yduqs e AES Brasil, bem como em escritórios de advocacia de grande porte. Tem mestrado em regulação e concorrência, duas pós-graduações (direito empresarial e gestão), além do Program for Leadership Development na Harvard Business School e certificada conselheira de administração pela Saint Paul Escola de negócios (ABP-W). É co-fundadora do grupo de mulheres Estratégicas.
Sobre a Coordenação
Fernanda é executiva jurídica com mais de 25 anos de experiência combinada em escritórios de advocacia e empresas no Brasil e no exterior. Formada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), fez LLM na New York University (NYU) e é mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Fez MBA em Varejo Físico e Online na USP. Atualmente é Vice Presidente Jurídica e de Relações Institucionais da Atvos, alinhando à sua trajetória a missão de transformar o mundo com energia renovável, e é Presidente do Conselho Deliberativo do Pro Criança Cardíaca, associação sem fins econômicos com foco no tratamento de crianças com cardiopatia.
Carolina Sussekind é executiva jurídica com mais de 20 anos de experiência em escritórios de advocacia e no jurídico interno de empresas. Atualmente é diretora jurídica da Vinci Compass no Brasil. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Fez LL.M em Direito Societário pela NYU. Tem experiência em direito empresarial, mercado de capitais e contratos nacionais e internacionais.





Para que consigamos refletir sobre o propósito da pergunta antes mesmo de respondê-la, precisamos ter um conhecimento amplo sobre o negócio. O mais interessante da operação jurídica in-house é justamente a possibilidade de se aprofundar em áreas como produto, design, tecnologia e dados, entre outras.. além da técnica jurídica! Coluna incrível!