Construindo Carreiras Jurídicas com Propósito e Estratégia
Uma reflexão sobre competências, escolhas e os novos caminhos para o desenvolvimento profissional no Direito
Por Marcella Cruz
A carreira sempre foi um dos pilares da minha vida. Comecei a trabalhar aos 16 anos por vontade própria. Eu tinha o privilégio de não precisar trabalhar, mas quis. Quis me sentir útil, conquistar minha independência e ganhar o meu próprio dinheiro. Desde cedo, entendi que trabalho era mais do que uma obrigação. Era uma ferramenta de transformação.
Escolhi cursar Direito pelas inúmeras possibilidades que a profissão oferecia. Lembro-me nitidamente da dúvida entre Direito, História e Psicologia. Procurei a conselheira profissional da escola e ela abriu um livro imenso, quase uma enciclopédia. Talvez alguns leitores dessa coluna nunca tenham visto uma dessas de perto. Páginas e páginas descreviam as áreas de atuação de um profissional do Direito. Aquilo me encantou. Um universo de oportunidades se abriu diante de mim, e eu não pensei duas vezes: é isso que quero para mim.
Não escolhi minha área de atuação. Peguei a primeira boa oportunidade que apareceu, em um dos escritórios mais relevantes do Brasil. Para mim, naquele momento, era isso que importava: estar em um lugar de prestígio. Nunca tive preferência por uma área específica do Direito porque sempre acreditei na minha capacidade de aprender qualquer coisa, desde que me dedicasse. A técnica, eu pensava, seria suficiente para me levar até onde eu queria chegar.
Por muitos anos, acreditei que esforço e competência técnica seriam o bastante. Eu achava que, para chegar lá, muito antes de entender que esse "lá" é uma ilusão moldada pelas circunstâncias ao nosso redor, bastava trabalhar duro, entregar bons resultados e demonstrar domínio técnico. E foi isso que fiz, incansavelmente.
Durante anos, fui movida por essa lógica. Mas, quase nunca, parei para pensar nas habilidades que vão além da técnica. As chamadas soft skills, termo que, aliás, não gosto muito, pois suaviza demais algo essencial. Nunca fui ensinada sobre a importância de construir uma marca pessoal consistente, de cultivar o networking de forma estratégica e contínua, ou de me relacionar com pessoas-chave dentro das organizações. Sim, isso é necessário. Porque o mundo funciona assim, não como gostaríamos que funcionasse.
Foram dez anos de dedicação intensa até o primeiro grande choque: uma promoção que não veio, mesmo após eu ter concluído um LL.M. nos Estados Unidos. Eu tinha um diploma de prestígio na parede, falava inglês fluentemente, era tecnicamente competente. O que mais faltava?
Faltavam justamente aquelas habilidades que eu negligenciei por tanto tempo. Foi quando decidi sair do escritório onde trabalhei por 12 anos e me mudei para São Paulo. Lá, tive que me reinventar. Entrei no personagem, como costumo dizer, e comecei a desenvolver novas competências para sobreviver em um mercado altamente competitivo. E, aos poucos, fui me transformando.
Logo depois, veio uma nova surpresa: a oportunidade de trabalhar como advogada in-house em uma empresa multinacional. Mais um desafio. Eu não fazia ideia do que me esperava. Precisei reaprender o que era ser advogada, adquirir novas habilidades, repensar minha forma de atuar. Houve momentos em que quis desistir. Quis voltar para o lugar conhecido, confortável. Mas, quando você expande sua mentalidade, não tem mais volta.
Foi a partir dessas experiências que comecei a me apaixonar por carreira como tema em si. A carreira que vai além do conhecimento técnico, que, hoje, é o mínimo esperado de qualquer advogado. Ainda mais em um mundo em que a inteligência artificial torna o acesso à informação mais rápido e substitui aqueles que se limitam à técnica.
Nunca foi tão importante ser humano. Nunca foi tão urgente desenvolver habilidades interpessoais, estratégicas e comportamentais. Por isso, recebi com muita alegria e honra o convite para ser Coordenadora Colunista de Carreiras Jurídicas da Future Law, uma empresa que admiro há anos pela sua capacidade de inovar, provocar e transformar o mundo jurídico.
Quero trazer para essa coluna uma visão ampla e prática das diferentes nuances das carreiras jurídicas. Compartilhar minha trajetória, sim, mas, também, abrir espaço para convidados com diferentes perspectivas, porque é assim que se constrói conhecimento de verdade: a partir da diversidade de experiências e visões.
E a parte boa é que, de fato, as possibilidades no Direito são como uma enciclopédia. Vastas, variadas e muitas vezes desconhecidas. Existe muito além do que você consegue enxergar hoje. E é exatamente isso que quero trazer aqui, um pouco mais de clareza sobre caminhos que talvez ainda não estejam tão evidentes para você.
Quero, com esta coluna, te ajudar a perceber que sim, você tem escolhas. Existe um mundo enorme lá fora. E a sua carreira pode ir muito além do que você imagina agora.
Como dizia Newton: o que sabemos é uma gota. O que ignoramos é um oceano.
Sobre a coordenação
Marcella Cruz é Senior Employment Counsel na inDrive, com atuação internacional. LL.M. por Vanderbilt (EUA), tem 15 anos de carreira, sendo 13 anos em Big Laws. É colunista, mentora de advogados e palestrante reconhecida por sua atuação em temas de carreira, liderança e posicionamento estratégico.