Por Dora Awad*
Nas últimas décadas, dois campos evoluíram de forma notável: o direito de família e a tecnologia. No Brasil, as transformações nas configurações familiares, com vínculos afetivos cada vez mais diversos e complexos, impulsionaram juristas e o próprio Estado a repensar e redesenhar o direito de família. Paralelamente, o avanço tecnológico global trouxe soluções digitais inovadoras para questões que antes dependiam exclusivamente de meios tradicionais e da intervenção humana. A partir de 2020, intensificou-se o uso de tecnologias voltadas à gestão de demandas familiares, automatizando processos e promovendo maior autonomia às famílias. É nesse cenário que surge o aplicativo Os Nossos, criado para facilitar a comunicação e a organização da rotina entre responsáveis, contribuindo para um novo modelo de convivência familiar mediada pela tecnologia.
No campo do direito de família, novas configurações familiares têm se consolidado: famílias recompostas, uniões homoafetivas e arranjos com multiparentalidade são cada vez mais comuns. Ao mesmo tempo, temas já conhecidos ganharam nova relevância diante do aumento de casos, como a alienação parental. O divórcio, por sua vez, passou por transformações profundas, tanto em seus aspectos subjetivos quanto objetivos. O fim da culpa é uma evolução recente importante. E do ponto de estatística, segundo dados do IBGE, dois em cada três casamentos no Brasil terminam em divórcio. No entanto, isso não impede que muitas pessoas voltem a se casar, o que contribui para o crescimento das chamadas famílias mosaico: casais com filhos de diferentes uniões, os “meus, os seus e os nossos”.
Diante de tantas transformações nas estruturas familiares, uma consequência inevitável, ainda que previsível, foi o aumento exponencial das demandas judiciais na área de família. O volume de ações supera a capacidade do Estado de analisar e julgar com a atenção, o cuidado e a celeridade que cada caso exige. Mesmo os juízes mais preparados enfrentam limitações: não conhecem de perto as dinâmicas e particularidades de cada família para oferecer decisões realmente adequadas à sua realidade. Os advogados de família, por sua vez, estão sobrecarregados — não apenas com os aspectos jurídicos, mas também com a complexa gestão emocional e prática da vida dos clientes. Todos atuam intensamente, mas nem sempre as soluções alcançadas são capazes de promover a pacificação e a reconstrução dos vínculos familiares. Isso tudo sem mencionar o aspecto psicológico que é fundamental quando um casamento acaba.
Diante desse cenário, tornou-se urgente o desenvolvimento de ferramentas capazes de auxiliar, e, em certos aspectos, substituir parte do trabalho humano na gestão dos conflitos familiares. Tanto na esfera privada, como na advocacia especializada em Direito de Família, quanto na esfera pública, marcada pelo acúmulo de processos nas varas de família, o excesso de demandas impulsionou profissionais do direito e desenvolvedores de tecnologia a criarem soluções que otimizam o trabalho com essas questões. Entre os exemplos mais relevantes estão os aplicativos voltados à coparentalidade e organização da rotina familiar, plataformas digitais de mediação de conflitos, ferramentas de apoio à gestão jurídica, chatbots especializados e recursos baseados em inteligência artificial para lidar com demandas judicializadas.
Entre as inovações citadas, um dos avanços mais disruptivos no uso da tecnologia a serviço das famílias é o desenvolvimento de softwares que atuam como um terceiro imparcial na gestão da rotina e na mediação de conflitos familiares. A proposta central é oferecer autonomia às famílias, disponibilizando ferramentas que lhes permitam resolver questões cotidianas sem a necessidade de acionar o sistema judiciário. Evidentemente, há exceções, como situações que envolvem violência, risco iminente ou demandas urgentes de caráter alimentar. No entanto, a maioria das ações judiciais em Direito de Família trata de questões recorrentes relacionadas à parentalidade (como a definição de regras de convivência após o divórcio) ou conflitos financeiros de baixa complexidade (como pedidos de revisão de despesas fora da pensão alimentícia). Nesse contexto, o uso de aplicativos e/ou plataformas que organizam a comunicação e a rotina entre casais separados com filhos mostra-se uma alternativa eficaz, capaz de prevenir uma parcela significativa das demandas atualmente encaminhadas ao Judiciário, ao promover a negociação direta entre as partes envolvidas.
Todos os mecanismos que incentivem a solução de demandas familiares por meio do diálogo e da comunicação direta entre as partes devem ser estimulados. Essa prática é essencial em uma sociedade civilizada, não apenas por sua eficácia, mas também pelo seu caráter educativo. Buscar orientação profissional, como apoio jurídico para firmar um acordo, representa um avanço em relação ao modelo tradicional, no qual o primeiro passo diante de um desacordo é acionar o Judiciário. O acesso à justiça não se limita ao ingresso de ações formais; ao contrário, pode ser mais plenamente realizado quando as partes constroem, juntas, soluções que atendam às suas necessidades. Muitas vezes, um acordo firmado de forma consensual, com apoio técnico adequado, resulta em uma decisão mais justa, sensível e duradoura do que aquela imposta por uma sentença judicial.
Já abordamos os dois aspectos fundamentais na análise do direito de família: o qualitativo: que se refere à qualidade e aos efeitos das soluções aplicadas às questões familiares, e o quantitativo: que diz respeito à estrutura e ao número de profissionais qualificados necessários para atender adequadamente às famílias. As transformações ocorridas nas últimas décadas demonstraram que, no Brasil, a elevada demanda tornou desafiadora a oferta de um atendimento verdadeiramente qualificado.
Assim, o direito de família entrou, definitivamente, na era digital. A escalada dos conflitos e demandas familiares impulsionou o surgimento de soluções escaláveis, plataformas e softwares capazes de atender a um número ilimitado de famílias.
Nesse novo cenário, o aplicativo Os Nossos veio para ficar. Organizar a rotina e a comunicação entre casais separados com filhos é um dos grandes desafios contemporâneos. Digitalizar o compartilhamento de decisões é, na prática, tornar real a guarda compartilhada. Negociar a divisão das despesas dos filhos é assumir a postura de um adulto, mesmo após o fim do casamento. Compartilhar documentos e registros importantes é dividir poder e promover a pacificação familiar. Pedir ou autorizar uma troca de convivência é exercer a parentalidade com maturidade. E agendar uma mediação pelo app é escolher o diálogo como ferramenta de solução.
Costumamos dizer que, no mundo ideal, as pessoas se sentam à mesa da cozinha, conversam e resolvem suas diferenças. Mas não vivemos no mundo ideal. Vivemos no mundo real, um mundo em que muito se fala e pouco se escuta. É justamente por isso que existe o digital. É justamente por isso que existe Os Nossos.
Sobre a Autora
Dora Awad é Advogada pela FAAP. Bacharel em Letras pela USP. Mediadora privada de conflitos familiares. Julgadora em competições nacionais e internacionais de mediação. Autora de artigos e palestrante sobre os meios adequados de resolução de conflitos. Mediadora certificada pelo ICFML e integrante da CAM-CCBC. Sócia na Awad Gestão de Conflitos. Fundadora e CEO da marca Os Nossos.