ESG além do óbvio: hora de fazer negócios com coragem e comprometimento
Alcançar resultados concretos pela lente da sustentabilidade corporativa exige mais do que preparo técnico e boas intenções
Por Karina D’Ornelas*
O termo ESG — sigla para Environmental, Social and Governance — é fácil de ecoar, de criticar ou defender, mas certamente difícil de entregar. Em um cenário global turbulento, marcado por tensões políticas, eventos climáticos extremos e desigualdades sistêmicas, alcançar resultados concretos pela lente da sustentabilidade corporativa exige mais do que preparo técnico e boas intenções: requer estratégia, consistência e coragem.
O livro Garra: o poder da paixão e da perseverança, de Angela Duckworth, nos traz um bom mantra: “improvise, adapte, supere.” Ou melhor: “tente, tente de novo, depois tente uma coisa diferente.”1 Nos níveis mais profundos dos múltiplos desafios que enfrentamos no mundo empresarial, essa é a atitude positiva que nos mantém em constante avanço.
Vinda de uma experiência profunda no contencioso estratégico de escritórios e ambientes corporativos, em posições de liderança na gestão de processos e resolução de litígios complexos, encontrei na sustentabilidade o elo que faltava para enfrentar os dilemas do universo empresarial de forma mais assertiva e eficiente. Compreendendo as reais necessidades por trás de cada desafio e conhecendo os riscos envolvidos, foi na atuação jurídica socioambiental que encontrei, ao mesmo tempo, estofo para alavancar todas as dimensões da sustentabilidade corporativa — inclusive a econômica. O propósito me encontrou e, desde então, tenho liderado uma posição cuja finalidade última é garantir decisões conscientes e formar líderes que reconhecem que, acima de tudo, educam pelo exemplo e reverberam valores para diversas pessoas, direta e indiretamente.
E se propósito pode ser entendido como aquilo que nos move a aplicar grandes esforços e provocar transformações significativas, foi no desejo compartilhado de despertar consciências — e de fomentar o desenvolvimento da cultura ESG — que se fortaleceu a conexão genuína com o co-idealizador desta coluna, que há tempos também busca influenciar os negócios em uma direção mais regenerativa e rentável. Henrique vem de uma sólida trajetória no campo corporativo, como executivo em grandes empresas e conselheiro de startups, e, por meio de uma visão sistêmica e empreendedora, reconhece no setor privado um solo fértil para inovação com impacto socioambiental. E, sem ambição de protagonismo, o que queremos é representar ideias e abrir possibilidades.
A boa notícia é que muitos estudos já comprovam o quanto práticas ESG são lucrativas, para além de economicamente viáveis — inclusive do ponto de vista jurídico, à medida que regulações internacionais e nacionais impõem novos padrões de transparência, diligência e responsabilidade socioambiental, as empresas mais aderentes ao contexto regulatório são as mais competitivas e habilitadas a novos mercados. Ao avaliar o desempenho de empresas de capital aberto, um recente estudo do Insper concluiu que “o investidor ganha mais quando coloca dinheiro em uma empresa que está melhorando as práticas de ESG e diminuindo os seus riscos.”2
O investimento no “E”, de meio ambiente, é o mais consolidado. Está claro que a busca por ecoeficiência — produzir melhor com menos, racionalizando recursos naturais — resulta em ganhos significativos de qualidade, economia e resiliência. Tudo isso alicerçado pelo compliance ambiental e compromissos de mitigação e adaptação diante de instituições financeiras, clientes e colaboradores, garantindo valor agregado.
O “S”, de social, também progrediu. Empresas que investiram em diversidade, equidade e inclusão registram ganhos concretos de performance, inovação e reputação. A B3 (Bolsa de Valores do Brasil) listou 10 razões financeiras que apontam o caminho — dados que dialogam com a crescente responsabilização por violações trabalhistas e a direitos humanos de legislações que vão desde a CLT de 1943 até leis recentes como a de Equiparação Salarial (14.611/2023), passando pelos Estatutos da Igualdade Racial (2010) e da Pessoa com Deficiência (2015), além de direitos conquistados via judicialização.
Contudo, novas demandas continuam surgindo: proteção da biodiversidade, compromisso com salários dignos, justiça climática — todas com implicações legais que vão desde o compliance até a responsabilidade civil e penal da alta administração. Mas e o “G”, de governança?
Aqui está o ponto de inflexão mais sensível e estratégico. Apesar da politização do tema e da complexidade da implementação, engana-se quem pensa que o “G” não segue avançando. Observando a estrutura organizacional de grandes empresas e mergulhando em suas políticas institucionais, vemos o fortalecimento do papel de Chief Sustainability Officers (CSOs), a integração do ESG à estratégia corporativa e a valorização de controles internos, auditorias e comitês especializados.
A confluência desses fatores tem revelado uma tensão entre pragmatismo e ambição, especialmente com a COP 30 sendo encarada como um possível “momento da virada”, a pergunta é: vamos liderar essa transformação ou continuar resistindo?
Neste momento, como propõe o Business for Social Responsibility (BSR)3, existem seis blocos de perguntas que precisam orientar não apenas líderes, como também setores jurídicos e órgãos reguladores, aqui adaptadas ao nosso universo:
Governança e estrutura organizacional:
Quais modelos de estrutura organizacional garantirão o tratamento adequado dos temas materiais de uma organização? Como distribuir papéis, alocar recursos e promover capacitação em todos os níveis?Engajamento de stakeholders:
Como mapear, escutar e dialogar com as partes interessadas com responsabilidade e transparência? Que ferramentas jurídicas ajudam a mitigar riscos reputacionais e regulatórios?Resiliência e atuação preventiva:
Estamos preparados para lidar com demandas mais intensas em torno do clima, biodiversidade e direitos humanos? Como adaptar nossas estruturas, desde a metodologia de resposta a crises a mecanismos de controle de risco e conformidade?Capacidade avaliativa dos conselhos e órgãos de administração:
Conselhos e comitês estão aptos a compreender e deliberar sobre riscos ESG? Qual a importância do assessoramento jurídico estratégico contínuo para os órgãos da administração?Estratégia e gestão de riscos socioambientais:
Como o jurídico pode apoiar a integração entre sustentabilidade e planejamento estratégico, inclusive em fusões, aquisições e expansão internacional?Responsabilização e enforcement:
Existem mecanismos efetivos para controle, auditoria e correção de desvios? Como o jurídico assegura que os compromissos ESG sejam executáveis, mensuráveis e transparentes?
Empresas que enfrentam essas perguntas com honestidade e consistência — cruzando dados, escuta ativa e ação preventiva — serão mais resilientes e relevantes. E os profissionais que se posicionarem como parceiros estratégicos neste processo contribuirão de forma decisiva para modelos de negócio mais longevos e adaptáveis.
Nos próximos artigos, exploraremos cada um desses blocos, sempre partindo do coração econômico-financeiro e do apetite pela argumentação do universo jurídico. Traremos dados, casos reais e atores do setor privado, público e da sociedade civil — buscando soluções viáveis para os desafios mais urgentes da agenda ESG.
Também acreditamos no poder do exemplo e de que o walk the talk precisa ser radical, afinal, como dizia o escritor e ativista James Baldwin, “As crianças nunca foram muito boas em ouvir o que dizem os mais velhos, mas nunca deixaram de imitá-los”4.
Assim, como as palavras mesmo que decoradas não sustentam uma cultura, traremos a experiência prática como parte do discurso teórico e manteremos nosso canal aberto, pois acreditamos que isso abre espaço para uma linguagem que parta da nossa realidade e não de um discurso ideológico, seguindo o referencial de produção de conhecimento de Grada Kilomba, exposto no livro Memórias da Plantação - episódios de racismo cotidiano5.
“Para superar os desafios, nos dizem para ter sangue nos olhos, quando, na maioria das vezes, o brilho nos olhos resolveria.”6 A partir desta reflexão de Daniel Keller, em Antes de Tudo, as Pessoas, reafirmamos nossa convicção de que é por meio de informação qualificada, colaboração radical, coragem e comprometimento que se constrói a liderança capaz de transformar a lógica dos negócios, ampliando o alcance e o impacto das ações.
DUCKWORTH, Angela. Garra: o poder da força e da perseverança. Angela Duckworth: tradução Donaldson M. Garschagen, Renata Guerra. 1 ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016. p. 190.
STEIW, Leandro. Como as práticas de ESG impactam os preços das ações. Disponível em: https://www.insper.edu.br/pt/conteudos/economia-e-financas/como-as-praticas-de-esg-impactam-os-precos-das-acoes
DIAMENTE, Christine; FLEISHMAN, Rachel . The Silent G: Six Questions Every Leadership Team Should Ask About Sustainability Governance. Disponível em: https://www.bsr.org/en/blog/the-silent-g-six-questions-every-leadership-team-should-ask-about-sustainability-governance
DUCKWORTH, Angela. Garra: o poder da força e da perseverança. p. 270.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação – episódios de racismo cotidiano. Grada Kilomba: tradução Jess Oliveira. 1 ed. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
KELLER, Daniel. Antes de tudo as pessoas: inspirações, reflexões & provocações sobre liderança e desenvolvimento de pessoas e negócio. 1 ed. Maringá: Viseu, 2022. p. 81.
Sobre a Autora
Karina D’Ornelas é Advogada. Bacharel em Direito pela UFRJ. Pós-graduada em Direito Civil-Constitucional pela UERJ. Especializações em Direito Ambiental e Direito Empresarial pela FGV Direito Rio. Pós-graduanda em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUC-RS. Mestre em História da Arte na Escola de Belas Artes da UFRJ. Consultora Jurídica Sênior em sustentabilidade corporativa, integra o Comitê de Fornecedores de empresa de capital aberto com representação internacional, bem como o Comitê de Ética do Pró-criança Cardíaca. Diretora Técnica da Fundação Hermann Hering, professora, palestrante e mentora para advogadas negras da Associação Black Sisters in Law, também é coautora dos livros "Jurídico 5.0 & Operações Exponenciais” (2024) e “Direito Ambiental Empresarial: desafios, estratégias e inovação sustentável” (2025).
Sobre a Coordenação
Henrique Marcondes é Executivo Jurídico. Formado em Direito pela UFRJ, com intercâmbio na Faculdade de Direito, da Universidade de Coimbra, Portugal. Pós-graduado em direito imobiliário pela PUC-RJ. Trajetória profissional desenvolvida em departamentos jurídicos de empresas dos setores de shopping center e retail. Atua como conselheiro de startups.
Karina D’Ornelas é Advogada. Bacharel em Direito pela UFRJ. Pós-graduada em Direito Civil-Constitucional pela UERJ. Especializações em Direito Ambiental e Direito Empresarial pela FGV Direito Rio. Pós-graduanda em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUC-RS. Mestre em História da Arte na Escola de Belas Artes da UFRJ. Consultora Jurídica Sênior em sustentabilidade corporativa, integra o Comitê de Fornecedores de empresa de capital aberto com representação internacional, bem como o Comitê de Ética do Pró-criança Cardíaca. Diretora Técnica da Fundação Hermann Hering, professora, palestrante e mentora para advogadas negras da Associação Black Sisters in Law, também é coautora dos livros "Jurídico 5.0 & Operações Exponenciais” (2024) e “Direito Ambiental Empresarial: desafios, estratégias e inovação sustentável” (2025).