Eu era infeliz e não entendia o porquê: sobre a coragem de construir uma carreira não-linear.
Uma reflexão sobre competências, escolhas e os novos caminhos para o desenvolvimento profissional no Direito
Por Priscila Holanda*
Eu sempre soube que queria cursar Direito. Era uma certeza tão antiga que não consigo rastrear a origem.
Nasci em Natal/RN e fiz faculdade na Federal de lá, a UFRN. No nordeste, pelo menos naquela época, quase todo mundo que fazia Direito sonhava em fazer concurso público para ser juiz ou promotor.
Eu não sabia o que eu queria, mas o que eu NÃO queria estava claríssimo: uma carreira previsível, com um teto de conquistas definido, fazendo a mesma coisa todos os dias pelo resto da minha vida, com as mesmas pessoas e no mesmo lugar.
Uma semana após a minha formatura, com essa única certeza na bagagem, me mudei para São Paulo.
O molde que não servia
Mergulhei no "mercado" e passei por alguns escritórios de advocacia. A cada experiência, a mesma sensação: tédio, desmotivação e um sentimento profundo de não pertencimento. Aquele ambiente formal, hierárquico e com rotina definida me sufocava.
Eu era infeliz e não entendia o porquê.
A chave virou quando, em um momento de crise, decidi me analisar profundamente. Descobri que minha personalidade era o oposto do que se espera de um advogado tradicional. Eu amo o caos, o dinamismo e a incerteza. Me motivo pela aventura de fazer algo que nunca fiz na vida, sem ter a menor ideia de como começar.
Diante disso, uma coisa ficou clara: o problema não eram os escritórios; era eu, tentando me encaixar em um molde que não me servia.
O exercício do funeral
Nessa época, dois livros mudaram minha vida:
O primeiro foi "Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes", onde me deparei com o "exercício do funeral". Ele te convida a imaginar o que você gostaria que as pessoas falassem sobre você no dia do seu funeral. A proposta do exercício é poderosa: fazer uma engenharia reversa de toda a sua vida a partir da decisão de como você quer ser lembrado depois que morrer.
Pouco depois, em "O Jeito Harvard de Ser Feliz", aprendi que o sucesso não traz felicidade, mas a felicidade é que impulsiona o sucesso.
Ficou claro que eu precisava, antes de tudo, encontrar uma forma de trabalho que me fizesse genuinamente feliz.
O Direito como ferramenta
Com isso em mente, direcionei minha energia para o universo das startups.
Consegui uma vaga no iFood e foi um choque cultural positivo. Ali, o Direito deixou de ser um fim em si mesmo e se tornou o que sempre deveria ter sido para mim: uma ferramenta para construir, para viabilizar negócios, para resolver problemas de forma prática e ágil.
Meu gosto por criar projetos do zero levou a um convite para criar o departamento de Compliance. Foi uma imersão profunda em todas as áreas da empresa e percebi que minha paixão ia além do jurídico. Decidi, então, que queria fazer mais coisas além do Direito, mas no iFood eu não tinha espaço para isso.
Foi aí que encontrei a MAR Ventures, um venture studio (uma mistura de um fundo de venture capital com uma incubadora). Na entrevista, fui transparente:
"Você vai me contratar como advogada, que é o que sei fazer hoje. Mas eu quero e vou me envolver em outros projetos, e isso não pode ser um problema"
Virei sócia em 12 meses e nos oito anos seguintes fiz de tudo: desde o jurídico a relação com investidores e marketing. Participei ativamente da jornada da Remessa Online, que fundamos e depois vendemos por mais de 1 bilhão de reais.
Recentemente, iniciei um novo capítulo: empreender no mundo de Legal Tech, usando Inteligência Artificial para transformar o mercado jurídico.
Sobre seguir caminhos inesperados
Minha carreira não foi linear. Em diversos momentos, comecei do zero, tendo que aprender novos conhecimentos técnicos, o que me tornou uma generalista. Isso é o oposto do que se espera no Direito, onde a especialização crescente é o caminho mais comum.
No início, isso parece contraintuitivo. Mas o que aprendi no universo da tecnologia é que ser generalista não significa saber superficialmente sobre tudo; significa ter uma competência rara: a capacidade de aprender qualquer coisa de forma rápida e profunda.
É o poder de conectar pontos entre áreas distintas (jurídico, produto, marketing e etc) para resolver problemas complexos que um especialista, com sua visão de túnel, talvez não enxergasse.
Essa se tornou minha maior vantagem competitiva.
Não subestime o autonhecimento
Para jovens advogados, especialmente os que estão em mercados tradicionais como eu estava em Natal, minha mensagem é: o mundo é muito maior do que você imagina. Não existe caminho certo ou errado. Existe o caminho que faz sentido para você.
A lição mais valiosa que aprendi não estava nos livros de Direito, mas no mergulho honesto em quem eu era. Entender minhas motivações, o que me dava energia e o que a drenava, foi o que me permitiu sair da trilha que me fazia infeliz e construir meu próprio caminho.
Se eu pudesse dar um conselho final, seria este: antes de escolher uma carreira, escolha conhecer a si mesmo.
Sobre a autora
Priscila Holanda é CEO da Sofira, empresa que cria agentes de IA para automatizar fluxos jurídicos em empresas. Ex-legal do iFood, foi sócia da MAR, venture studio que cofundou e escalou startups como Remessa Online (vendida para o EBANX por mais de R$1 bi), Easy Carros, Modiax e Finpass. Com mais de uma década de experiência na interseção entre direito, tecnologia e inovação, Priscila tem se destacado na aplicação de IA para transformar departamentos jurídicos em centros estratégicos de valor.