Geração Dopamina: Como o Hiperestímulo Impacta as Relações de Trabalho
Entre likes e desempenho, o desafio de engajar uma geração viciada em recompensas imediatas e seus efeitos na dinâmica de trabalho na vida profissional jurídica.
Por Luiza Correia Moraes* e Pedro Galvão*
É de conhecimento geral, que vivemos em uma sociedade hiperconectada e hiperestimulada pelas redes de informação, decorrente da ascensão da tecnologia, em que a dopamina virou a principal moeda de troca e o consumo imediato tornou-se o motivo abrangente da nossa vida.
É nesse contexto de revolução tecnológica que, apesar de muito benéfica em diversas áreas socioeconômicas do país, avança em paralelo às custas sociais mais sombrias de uma nova geração que vive apenas em sentido ao dualismo de prazer e sofrimento através de estímulos individuais exógenos. Esse fenômeno não se limita apenas à esfera afetiva individual, mas também impacta diretamente o seu cotidiano no trabalho e projeção de carreira.
A Geração Dopamina, ou Geração Z, é a força produtiva mais jovem no mercado de trabalho, que cresceu respirando os estímulos dos celulares, das redes sociais, vivenciando uma nova sociedade virtual, dos novos videogames, do fácil acesso a um grande volume de informações e mais, recentemente, da ascensão da Inteligência Artificial.
Dessa forma, a busca por recompensas imediatas marcou essa geração e vem trazendo grandes impactos nas relações de carreira nas organizações, como em escritórios de advocacia e departamentos jurídicos.
2. O cérebro na era do Hiperestímulo
Para iniciar a discussão acerca do cérebro na era do hiperestímulo, é fundamental abordar um dos agentes mais relevantes: a dopamina, o neurotransmissor do prazer e da recompensa. No livro "Nação Dopamina", a autora Dra. Anna Lembke elucida que a dopamina desempenha um papel crucial no sistema nervoso central e está amplamente associada às sensações de recompensa. Quando realizamos atividades que nos proporcionam satisfação, o cérebro libera dopamina, criando uma sensação prazerosa que, por sua vez, estabelece um ciclo de reforço positivo, gerando motivação para repetir essas atividades.
Entretanto, como destaca a autora, o cenário de hiperconectividade facilitado pelo jogo dopaminérgico das redes sociais, transformou as relações em modos mais simplificados e superficiais de interação em diversas áreas da vida.
A facilidade e a disponibilidade de informações, juntamente com a capacidade de interação instantânea, criam a necessidade de estarmos constantemente conectados. Essa situação resulta em um estado comum entre as pessoas, caracterizado por um alerta contínuo e pela busca incessante por validação social e interação.
As recompensas obtidas no mundo real tendem a proporcionar uma satisfação mais duradoura, mas, devido à sua complexidade, muitas vezes são deixadas de lado. Em contrapartida, as recompensas artificiais, que são momentâneas, podem levar a uma busca incessante por mais estímulos. Essa dicotomia entre recompensas naturais e artificiais pode culminar na desvalorização das conquistas que exigem esforço e comprometimento.
É um fato que a hiperconectividade, apesar de ser extremamente relevante e inovadora, traz consigo a busca por gratificação instantânea, o que impacta negativamente no foco e na produtividade de longo prazo.
Desse modo, na era do hiperestímulo, é essencial encontrar um equilíbrio entre o uso da tecnologia e a busca por recompensas que realmente contribuam para a satisfação a longo prazo, visto a notória dificuldade da retenção e desenvolvimento de talentos nas organizações.
3. Os efeitos no ambiente de trabalho
O hiperestímulo, como demonstrado, impacta significativamente a vida social como um todo. Nesse contexto, os efeitos no ambiente de trabalho tornaram-se cada vez mais rotineiros, trazendo uma série de desafios, especialmente para a geração já mencionada que cresceu imersa na tecnologia.
Diante desse cenário, surgem efeitos significativos no mercado de trabalho, entre os quais se destaca a “síndrome do tédio profissional”. Essa condição refere-se ao estado de desmotivação e insatisfação que normalmente emerge em um ambiente em que as tarefas rotineiras e operacionais carecem de algum “ganho” imediato, especialmente, considerando a geração habituada à exposição a fáceis estímulos incessantes.
Dessa forma, a ausência de reconhecimento e resposta imediata leva a um ciclo de desinteresse e desinvestimentos em tarefas, prejudicando o desempenho profissional.
Adicionalmente, a constante conexão nas redes sociais e a exposição a um volume elevado número de postagens contribuem para a percepção de que é necessário estar sempre ocupado. Nos ambientes de trabalho, essa pressão para “parecer ocupado” tem aumentado, resultando em um fenômeno conhecido como produtividade tóxica.
Nesse contexto, os profissionais se sentem compelidos a se manter visivelmente ocupados, muitas vezes em detrimento da qualidade do trabalho realizado.
4. Como as Empresas e Escritórios Podem se Adaptar?
Com base nos pontos discutidos até aqui, a pergunta que deve ficar é: “Como as empresas e escritórios podem se adaptar?”, levando em consideração a complexidade de fatores que moldam toda uma média de qualidade comportamental da nova força produtiva do mercado.
Em meio às rápidas mudanças já supramencionadas, a Geração Dopamina exige modelos que atendam às suas expectativas de gratificação constante, mas também que promovam um equilíbrio sustentável e saudável.
Em primeiro lugar, o modelo tradicional de avaliações (feedbacks) anuais já não se alinha com a necessidade de validação imediata dessa geração. Em vez de esperar um ciclo formal para fornecer feedback, empresas devem adotar sistemas de reconhecimento contínuo. Ferramentas como check-ins semanais, meios de fornecer feedbacks em tempo real e programas de peer recognition (reconhecimento entre pares) podem suprir a demanda por respostas rápidas. Isso não só mantém a motivação, mas também reforça a conexão entre esforço e recompensa, ainda que em pequena escala.
Em segundo lugar, a flexibilidade digital do trabalho remoto e híbrido já é uma realidade, mas a falta de limites claros entre vida pessoal e profissional pode levar ao esgotamento. O ambiente corporativo pode incentivar "tempos de descompressão", intervalos curtos e programados para desconexão digital, como pausas para meditação, caminhadas, bate-papo no café no presencial, reuniões de trocas entre os colaboradores e outras estratégias.
Além disso, no ambiente jurídico, onde a carga mental é intensa, pausas estruturadas podem melhorar a clareza analítica e reduzir erros, faz-se necessário à procura de ferramentas e manuais de boas práticas para uma eficaz política de trabalho.
Por fim, outro aspecto essencial é o treinamento de lideranças para preparar gestores para motivar equipes com diferentes perfis de estímulo. Por isso, os líderes precisam abandonar a ideia de que um único modelo de gestão funciona para todos.
A Geração Dopamina é heterogênea, isto é, alguns respondem melhor a recompensas visíveis, como rankings, outros a autonomia criativa, e outros ainda a desafios intelectuais. Portanto, é fundamental que os gestores estejam próximos dos liderados para um eficaz desenvolvimento profissional que entenda de perto as dores e necessidades de cada talento.
5. Conclusão
Portanto, a ascensão da geração Z impõe desafios inéditos às estruturas tradicionais de trabalho — e no universo jurídico não é diferente. O hiperestímulo digital moldou uma geração que valoriza a gratificação imediata, o que dificulta a adaptação a rotinas que exigem resiliência e a construção de resultados a longo prazo.
Diante disso, empresas e escritórios jurídicos precisam desenvolver estratégias que conciliem o ritmo acelerado dessa nova força de trabalho com práticas organizacionais sustentáveis.
A resposta pode estar na escuta ativa, na valorização individualizada e em lideranças preparadas para lidar com profissionais que demandam reconhecimento constante e feedbacks motivacionais frequentes.
Adaptar-se não é apenas uma questão de modernização, mas de sobrevivência institucional em um mercado cada vez mais guiado por estímulos imediatos.
Sobre os autores
Luiza Moraes é estudante de Direito na UFF, e coordenadora de publicação acadêmica na AB2L GenZ Law.
Pedro Galvão é estudante de Direito no Mackenzie, ele é fundador do Legalcast Mackenzie, podcast voltado a temas de inovação. Pedro também coordena a AB2L GenZ Law, frente universitária da Associação, e está à frente na liderança do Legal Hackers e do Legal Ops Lab no Mackenzie. Além disso, atua na cadeira de diretor acadêmico do Centro Acadêmico João Mendes Júnior.