Legal Ops e o Saber Fundamental
Uma releitura dos pilares sob a ótica de Deming
Por Gustavo Potrick*
É com grande honra que escrevo este primeiro artigo na Future Law 360°, na qualidade de cocoordenador da área de Legal Operations. Agradeço profundamente à equipe da Future Law pela confiança depositada e pela oportunidade de contribuir com reflexões que buscam expandir os horizontes do nosso ecossistema jurídico. A proposta deste texto é revisitar, reinterpretar e adaptar uma das contribuições mais impactantes da história da melhoria contínua para o contexto de Legal Ops: o conceito de Saber Fundamental, desenvolvido por W. Edwards Deming.
Deming foi um estatístico, professor, autor e consultor americano, amplamente reconhecido por seu trabalho na transformação da indústria japonesa no pós-guerra. Seus princípios de qualidade e gestão se tornaram pilares para modelos de excelência operacional em diferentes setores. Entre suas ideias mais potentes está o “System of Profound Knowledge” – ou Saber Fundamental –, que propõe que a verdadeira melhoria só é possível com a compreensão integrada de quatro pilares: visão sistêmica, teoria do conhecimento, entendimento da variação e psicologia.
Ao trazer esse referencial para o campo da gestão jurídica, convido à reflexão sobre como esses quatro pilares dialogam diretamente com os fundamentos de Legal Operations, especialmente em sua versão atualizada, na qual proponho a inclusão de um novo elemento: Dados.
Tradicionalmente, os pilares de Legal Ops são Pessoas, Processos e Tecnologias. No entanto, diante da crescente complexidade, pressão por desempenho e digitalização do ambiente jurídico, a análise de dados se impõe como um novo vetor estruturante. A seguir, apresento uma analogia entre os pilares de Deming e os de Legal Ops, propondo um modelo integrado e contemporâneo de atuação estratégica:
Visão Sistêmica → Processos: Deming defendia que nenhuma parte de um sistema deve ser compreendida de forma isolada. Em Legal Ops, esse pensamento é traduzido na necessidade de mapear, otimizar e conectar processos de ponta a ponta. O mapeamento sistêmico dos fluxos de trabalho jurídicos permite identificar gargalos, reduzir redundâncias e alinhar os serviços jurídicos com os objetivos organizacionais. Aqui, a lógica não é apenas fazer mais rápido, mas fazer certo, com fluidez e coerência.
Teoria do Conhecimento → Tecnologias: A Teoria do Conhecimento, para Deming, trata da forma como adquirimos, validamos e aplicamos o saber. No mundo jurídico atual, a tecnologia é o instrumento que materializa esse conhecimento: ferramentas de automação, sistemas de gestão (como CLMs e ERPs), inteligência artificial e plataformas colaborativas não apenas armazenam informação, mas transformam dados em conhecimento prático. Porém, o uso eficiente da tecnologia exige criticidade e embasamento – exatamente como Deming propunha.
Entendimento de Variação → Dados: Deming sempre alertou que ignorar a variação é um dos maiores perigos da gestão. Em Legal Ops, essa compreensão é potencializada pela análise de dados. Métricas, KPIs, dashboards e benchmarking revelam variações operacionais e fornecem insumos para decisões embasadas. Não se trata apenas de medir, mas de entender o comportamento dos dados: identificar padrões, desvios e tendências que impactam diretamente o desempenho jurídico.
Psicologia → Pessoas: Por fim, Deming reconhecia que nenhuma transformação é possível sem entender o comportamento humano. Em Legal Ops, o pilar Pessoas vai além da gestão de talentos: trata da liderança colaborativa, da comunicação eficaz, da cultura de melhoria contínua e da empatia organizacional. O engajamento dos times jurídicos e multidisciplinares é fator crítico para a adoção de novos processos, tecnologias e práticas orientadas por dados.
Essa correlação entre os saberes de Deming e os pilares de Legal Ops não é apenas conceitual – é estratégica. Ao compreendermos que operar com excelência na gestão jurídica exige visão sistêmica, domínio de tecnologias, competência em análise de dados e inteligência humana, criamos uma base robusta para a maturidade operacional e a inovação real.
Legal Ops não é sobre moda ou tendência. É sobre construir uma nova linguagem para o Direito: mais eficiente, mensurável e centrada em valor. Ao resgatar as ideias de Deming, reafirmamos que as grandes transformações exigem pensamento profundo, interdisciplinaridade e, acima de tudo, coragem para rever e reinventar os fundamentos.
Que este artigo seja o primeiro de muitos diálogos construtivos. A evolução do jurídico passa pelo Saber Fundamental – e agora, mais do que nunca, pelo saber aplicado.
Sobre a Coordenação
Gustavo Potrick é Advogado concursado da INFRAERO, desde janeiro de 2010 foi co-criador e primeiro gerente da Gerência de Operações Legais; especialista em análises de demonstrações contábeis, pela FGV; especialista green belt lean six sigma, pela FM2S, Scrum Master, pela Certiprof, professor parceiro da Future Law nos cursos de Legal Ops Management, Legal Ops e KPI’s simplificados, professor no “MBA em Controladoria Jurídica e Legal Operations”, na Radar – gestão para advogados, professor no curso de pós-graduação da PUC/PR, no curso “Legal Operations: Dados, Inteligência Artificial e Alta Performance Jurídica”; embaixador do Future Law Infinity; colunista do portal jurídico Advogados Gestores, palestrante da FENALAW 2023, palestrante da Future Law Experience 2023 e 2024, co-autor do livro “Transformação Jurídica: Criatividade É Comportamento... Inovação É Processo”, autor do livro “Dominando Legal Ops: integrando pessoas, processos e tecnologias”, membro da Comissão Nacional de Gestão e Controladoria Jurídica, da Associação Brasileira de Advogados, Coordenador da Coluna de Legal Operations na plataforma Future Law 360º e consultor independente, sobre aplicação e melhorias, das práticas e ferramentas de Legal Ops.