Liderança corporativa em tempos de transição
Os riscos atrelados à agenda ESG acentuam desequilíbrios e exigem decisões que combinem diligência e visão sistêmica.
Por Karina D'Ornelas* e Leonardo Freire*
Durante um dos eventos Pré-COP30 das últimas semanas, o Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Sr. João Paulo Capobianco, alertou que a COP30 não é do Brasil nem da Amazônia: o Brasil, isoladamente, não vai fazer nada, o papel do país — ao sediar a conferência — é o de liderar e construir articulações entre governos, empresas e sociedade civil, mirando soluções concretas e compartilhadas.
Paralelamente, a presidência da COP30 convocou representantes de cinco setores-chave da economia brasileira — energia, pecuária, agricultura, floresta e transportes — a acelerar seus planos de descarbonização. O movimento é voluntário, mas novamente sinaliza que o setor privado será chamado a entrar em campo com maior engajamento.
Em outra frente essencial, ainda em maio, o Governo Federal aprovou o Plano Nacional de Economia Circular (PLANEC), baseado na seguinte premissa: “A Estratégia Nacional de Economia Circular (ENEC) somente terá êxito se for incorporada pelo setor produtivo. Esse setor é responsável por grande parte do consumo de recursos naturais e pela geração de resíduos.”
O ponto é que, independentemente do porte ou setor em que atuamos, as cadeias de valor se entrelaçam e todos serão convocados a revisar suas estruturas e decisões – querendo ou não. A cada rodada de notícias, surgem novos alertas sobre o agravamento da crise climática e seus impactos sobre pessoas, empresas e governos. A conta está chegando (e rápido) — minando a resiliência de mercados tradicionais que não se adaptem aos novos e adversos cenários inerentes à transição para uma economia de baixo carbono.
Sabendo disso, agentes reguladores e participantes dos mercados financeiros globalmente, incluindo o setor de seguros, têm se mobilizado para reforçar taxonomias e estratégias que permitam proteger a estabilidade do ecossistema econômico.
O sistema financeiro nacional conta com regras específicas para o reporte, divulgação e gestão de informações socioambientais, a exemplo da Resolução nº 4.327/2014 do Conselho Monetário Nacional (CMN) e de normas mais recentes como CMN nºs 4943, 4944 e 4945 e Resoluções BC nºs 139 e 140. No mercado de capitais, esse movimento ganhou corpo a partir da Instrução CVM nº 552/2014, que alterou o formulário de referência para incluir dados de sustentabilidade considerados relevantes ao mercado. Esse compromisso foi aprofundado ao longo dos anos, culminando na Resolução CVM nº 193/2023, que colocou o Brasil na vanguarda da transparência em sustentabilidade ao adotar os Padrões Globais de Reporte Financeiro S1 e S2 do ISSB (International Sustainability Standards Board).
Em 2024, novas normas traduziram, internalizaram e compatibilizaram os padrões internacionais com a regulamentação brasileira. Isso ainda reforçado com a recente Resolução CVM nº 223/2024, que sinaliza às companhias abertas sobre a necessidade de avaliarem o reconhecimento, em balanço, de seus compromissos de descarbonização — quando anunciados publicamente — como passivos contábeis.
De forma similar, o Conselho Nacional de Justiça aprovou em 2024 um novo protocolo para determinar a forma de cálculo e precificação das emissões de gases de efeito estufa, sinalizando mais uma vez uma tendência regulatória para transformar compromissos voluntários em obrigações exigíveis – isso sem adentrar na nova Lei Federal nº 15.042/2024, que institui o mercado regulado de carbono no Brasil.
Aos radares mais atentos, passo a passo, o arcabouço regulatório sobre informações sustentáveis no Brasil vem se consolidando, levando os stakeholders a redobrar a atenção e a demonstrar maior intenção no avanço da maturidade institucional sobre o tema. Como consequência, cresce também a base para questionamentos em casos de divulgação incompleta ou imprecisa dessas informações, usualmente conhecido como greenwashing.
Tais movimentos buscam influenciar decisões de investimento ao mitigar assimetrias entre taxonomias e padronizar os modelos de reporte de informações de sustentabilidade por parte das empresas. Afinal, “Só quando a maré baixa você descobre quem está nadando pelado”, como dizia Warren Buffett.
Diante desse cenário, a pergunta que fica é: estamos prontos para agir com a urgência e a consistência que o cenário exige — ou deixaremos que decidam por nós?
Evitar exposição negativa frente às atuais expectativas e proteger o valor da empresa no longo prazo exige mais do que uma governança protocolar. A capacidade de avaliar riscos de sustentabilidade — especialmente o risco climático — e desenvolver respostas completas, efetivas e equilibradas tornou-se inegociável para aqueles que buscam perenizar seus negócios e investimentos no médio e longo prazo.
Tal questionamento se deve, em grande parte, às especificidades do risco climático. Tradicionalmente, nos acostumamos a avaliar ativos, passivos e desempenho empresarial sob o prisma de informações financeiras — balanços e demonstrações de resultado. O risco climático, no entanto, opera sob outra lógica: expressa-se de forma não numérica, a partir de relatórios que buscam conferir transparência aos fatores ambientais, sociais e de governança (ESG), materialmente relevantes de cada operação, traduzindo potencialidades de performances futuras em cenários de transição para uma economia de baixas emissões.
Uma vez devidamente integradas e divulgadas — sob supervisão técnica qualificada — as informações ESG materialmente relevantes têm o poder de influenciar comportamentos, orientar decisões de stakeholders e, consequentemente, vincular ofertas e contratos. Uma gestão qualificada da sustentabilidade empresarial pode atrair investimentos, acessar novos mercados, reduzir custos de financiamento e gerar vantagens competitivas. Em outras palavras, trata-se de uma fonte de receita, baseada no reconhecimento de intangíveis por muito tempo ignorados ou mal precificados.
Por outro lado, essa complexidade também abre margem para uma miscelânea de taxonomias sustentáveis — os sistemas de classificação utilizados pelas empresas para mapear e reportar seu desempenho ESG — que, se mal administradas, podem gerar insegurança e atrair responsabilidades severas para as organizações e seus gestores.
Portanto, o primeiro passo é reconhecer a urgência e iniciar o dever de casa com diagnósticos estruturados e aculturamento interno. Isso inclui adotar uma política climática e de sustentabilidade institucionalizada, estabelecer premissas, definir boas práticas e definir formas de monitorar indicadores. Quando a alta administração vê valor nesse esforço — acompanhando metas, cobrando indicadores e alocando recursos —, os resultados são concretos.
Relatórios do WEF e TCFD mostram que empresas com boards engajados integram melhor as metas climáticas ao planejamento estratégico, reduzem riscos (operacionais, financeiros e reputacionais) e se destacam na atração de capital. É esse tipo de liderança que sustenta a resiliência e a competitividade em contextos de incerteza.
Reconhecer que a consciência climática de uma organização precisa estar pronta para as mudanças necessárias é, na prática, também discutir quais expertises e perspectivas devem compor a mesa das decisões estratégicas. Empresas que desejam seguir relevantes — de qualquer porte ou setor — precisarão ampliar sua capacidade de análise, adaptação e resposta.
Além da especialização e capacitação técnica sobre temas ESG materiais a cada organização, a pluralidade nas equipes executivas surge como ponto de inflexão. Em um mundo onde a transição deixou de ser tendência para se tornar condição de continuidade, a diversidade de vivências e experiências é tão estratégica quanto o domínio técnico.
A representatividade na alta administração, por exemplo, com maior presença de pessoas pertencentes a grupos historicamente sub-representados é uma questão-chave para oxigenar debates, enriquecer análises, perceber riscos e oportunidades e alinhar decisões a uma realidade que exige maior diversidade cognitiva e multiplicidade de experiências.
O caminho para uma economia em que o desenvolvimento sustentável seja possível deve observar o princípio da Agenda 2030 das Nações Unidas de que “ninguém deve ser deixado para trás”. Por isso, estratégias climáticas e de sustentabilidade — para serem efetivas — exigem abordagens que assegurem uma transição justa na tomada de decisão.
Se ainda não temos todas as respostas, especialização qualificada e pluralidade já são, por si, atributos que núcleos executivos precisarão incorporar. A resistência inicial à mudança – até natural do ser humano – tende a ser curta. A resiliência e perenidade de negócios reside justamente em sua capacidade de se adaptar aos novos tempos. Se não o fizerem, osstewardships clauses dos investidores e as novas regulamentações se encarregarão de implantar esse novo perfil em sua composição.
Sobre os Autores
Karina D'Ornelas é Advogada com formação interdisciplinar e trajetória dedicada à interseção entre Direito, arte, sustentabilidade e negócios de impacto. Mestre em História da Arte pela UFRJ, com especializações em Direito Ambiental, Empresarial e Direitos Humanos. Atua em posições de liderança em sustentabilidade corporativa, exercendo simultaneamente cargos estratégicos no Grupo SOMA e na Diretoria Técnica da Fundação Hermann Hering.
Leonardo Freire é Advogado. Mestre em Direito pela PUC-SP, com foco em regulação de finanças sustentáveis.