Por Leila Siqueira Pereira Amboni*
Ao longo da minha trajetória na advocacia, fiz uma grande transição: saí de uma sociedade em um escritório boutique de contencioso tradicional, que lidava com casos cíveis e empresariais complexos, para me capacitar em mediação de conflitos e me aprimorar em outros métodos autocompositivos como a negociação e as práticas colaborativas. Nesse cenário, fundei meu escritório atual com atuação voltada para a solução de conflitos, também de natureza cível e empresarial, mas através da busca do consenso.
No início do meu percurso, trabalhei com muitos jurídicos internos de empresas que buscavam a ação judicial como porta única para seus conflitos e que esperavam que nós, advogados, ajudássemos a reduzir seu passivo, recuperar créditos perdidos e tratar a vasta carteira de ações com eficiência e atenção aos riscos comerciais e reputacionais. Como escritório, adotávamos os melhores argumentos técnicos em nossas ações e petições, mas não tínhamos nenhuma garantia de atender às expectativas postas já que não há controle nem de tempo, nem de custo, nem de resultado no Judiciário.
Quando comecei a estudar profundamente os métodos autocompositivos, imediatamente pensei: eis a solução! Tratando especificamente da mediação, objeto principal deste artigo, fiquei encantada com esse método que oferece aos envolvidos a resolução dos conflitos com a possibilidade de: (i) autonomia; (ii) controle do tempo; (iii) gerenciamento dos custos; (iv) preservação das relações; (v) soluções criativas; e (vi) preservação da imagem.
Começamos, então, a oferecer a mediação aos nossos clientes com a confiança de termos maiores chances de alcançar aquelas expectativas que me vinham sendo apresentadas desde o começo da prática da advocacia. Ocorre que, nesse novo caminho, temos observado que a mediação ainda luta para ser compreendida como uma aliada estratégica no mundo corporativo brasileiro, embora reconhecida e bem-sucedida em diversos países.
Enquanto muitas economias incorporaram a mediação como prática habitual na resolução de disputas, no Brasil, ela ainda é vista como uma mera etapa obrigatória ou como último recurso. Apesar de avanços pontuais, a ideia de resolver conflitos por meio do diálogo parece, para muitos, sinal de fraqueza ou falta de preparo para o embate.
Pesquisa recente sobre mediação empresarial conduzida pela FGV Direito SP[1], apesar de atestar sua eficácia e crescimento expressivo nos últimos dez anos (361%), deixa evidente que a adoção da mediação por empresas brasileiras segue tímida. Em 2021, foram apenas 120 casos registrados nas principais câmaras do país. Para uma economia como a brasileira, isso revela uma subutilização gritante.
A verdade é que, mesmo diante da proposta de uma via mais eficiente, ainda há objeções recorrentes. Alguns executivos questionam se vale a pena investir recursos na estrutura da mediação, alegando que pagar mediador e advogados sem garantia de acordo seria desperdício. Outros demonstram ceticismo quanto à duração do procedimento, temendo que ele apenas adie o litígio inevitável. Há também quem desconfie da capacidade do mediador por não conhecer o setor específico do negócio em disputa. E, por fim, muitos ainda colocam em dúvida a imparcialidade do mediador, por ser remunerado pelas partes envolvidas.
Essas preocupações são legítimas, mas já foram enfrentadas — e superadas — em diversos países que, não apenas incorporaram a mediação em seus sistemas de resolução de disputas, como a transformaram em ferramenta estratégica.
O que as experiências internacionais têm a dizer sobre isso?
No Reino Unido, por exemplo, a mediação comercial tornou-se prática rotineira. O Centre for Effective Dispute Resolution (CEDR) registra cerca de 17 mil casos por ano, com taxa de sucesso de 92%, sendo 72% já na primeira sessão[2]. Isso demonstra que a mediação, quando bem estruturada, evita o litígio e entrega resultados rápidos, com custos previsíveis e muito inferiores aos do processo judicial. A eficiência do modelo britânico refuta a ideia de desperdício financeiro e mostra que o tempo da mediação é um investimento produtivo e não uma postergação inócua.
Nos Estados Unidos, além da difusão da mediação no setor privado, programas judiciais de mediação obrigatória, como o da Corte Distrital do Sul de Nova York, reforçam sua eficácia. O Programa de Mediação da Corte Distrital do Sul de Nova York[3], por exemplo, registrou 1.550 casos em 2022, com uma taxa de acordo de 65%.
Além disso, uma pesquisa conduzida pela Cornell University[4] revelou que 81% das grandes empresas americanas que utilizaram a mediação nos últimos três anos consideraram os métodos consensuais mais satisfatórios do que o litígio tradicional porque permitem maior controle dos custos, geram acordos satisfatórios e preservam as relações comerciais
Já em Singapura, a mediação foi alçada à política de Estado. Com a criação do Singapore International Mediation Centre (SIMC), mais de 430 casos comerciais — somando cerca de 18 bilhões de dólares — foram mediados com partes de mais de 60 jurisdições[5]. A neutralidade e profissionalismo dos mediadores, somados ao ambiente institucional sólido, conferem plena confiança ao método.
Esses exemplos demonstram que a mediação não é uma aposta cega, mas uma escolha estratégica de quem deseja resolver com inteligência.
O caso brasileiro - como superar o paradoxo entre eficácia e subutilização da Mediação?
A pergunta central, portanto, não é se a mediação funciona, já que os dados demonstram que sim, mas por que as empresas brasileiras continuam recorrendo a métodos mais custosos e demorados quando alternativas melhores estão disponíveis?
A resistência não se explica por falhas do método, mas sim por fatores culturais. Para ajudar a vencer essa resistência, além dos dados acima, que, por si só, respondem aos questionamentos listados ao final do primeiro capítulo desse artigo, vale pontuar que:
(1) O custo da mediação é previsível e passível de ser limitado e combinado entre os envolvidos e o mediador, diferente do que ocorre em um processo judicial que pode durar anos, gerar despesas de diversas naturezas, como custas judiciais variadas, produção de provas, honorários contratuais e sucumbenciais e, ainda, o risco de condenação, sempre existente. Além disso, a mediação libera os gestores e advogados internos para focarem no que realmente gera valor: o negócio. O custo real não está na mediação, mas no tempo, energia e oportunidades perdidas quando se prolonga um conflito sem necessidade;
(2) As taxas de acordo nas mediações costumam girar em torno de 70%, conforme constatado em pesquisa realizada pelo ICFML – Instituo de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos [6]. Além disso, mesmo quando não há acordo imediato, o tempo investido na mediação pode ser encarado como uma oportunidade para mapeamento do conflito: traz transparência sobre as posições, revela interesses reais e estrutura melhor qualquer decisão futura, inclusive um eventual litígio.
(3) Como a mediação é um procedimento que pode ser customizado, o mediador eleito pelas partes pode ser um profissional que tenha conhecimento específico da matéria objeto da disputa, além de dominar as técnicas de comunicação e negociação, diferentemente do que ocorre em um processo judicial em que o julgador pode não ser especialista na matéria analisada;
(4) A imparcialidade é a base do trabalho do mediador e sua reputação depende disso. Profissionais sérios e câmaras reconhecidas adotam práticas rigorosas de transparência, como termos de independência e possibilidade de recusa por qualquer das partes. Além disso, o mediador não decide nada, o poder permanece com as partes, o que reforça a segurança e a neutralidade do método.
Conclusão:
Como demonstrado pelos dados apresentados, a mediação é uma ferramenta efetiva, estratégica e alinhada com os desafios contemporâneos das empresas brasileiras, pois viabiliza redução de custos, agilidade, gerenciamento do resultado, preservação de relações comerciais, proteção reputacional e acordos com resultados satisfatórios.
A inserção efetiva da mediação no meio corporativo depende de uma combinação de políticas voltadas, especialmente, à transformação cultural das empresas.
Para acelerar essa mudança de cultura e usufruir em maior escala desses benefícios, as empresas precisam: (i) investir no treinamento de seus advogados internos e gestores para que conheçam os métodos e possam identificar as situações adequadas para sua aplicação, bem como atuar em conformidade com seus princípios nessas situações; (ii) criar fluxos internos de gerenciamento de conflitos que incluam a mediação como etapa efetivamente utilizada; (iii) incorporar cláusulas de mediação em seus contratos e políticas de governança, de forma a estabelecer compromissos prévios com o uso efetivo do método; e (iv) desenvolver indicadores que mensurem o valor gerado pela mediação, não apenas em termos financeiros, mas na preservação de parcerias e na agilidade estratégica.
Mais do que resolver conflitos, trata-se de transformar disputas em oportunidades de aprendizado, colaboração e diferenciação competitiva. O momento de agir é agora!
[1] https://portal.fgv.br/noticias/pesquisa-traz-dados-ineditos-sobre-mediacao-empresarial-brasil
[2] https://www.cedr.com/wp-content/uploads/2023/02/Tenth-CEDR-Mediation-Audit-2023.pdf
[3]https://www.nysd.uscourts.gov/sites/default/files/pdf/Mediation/Mediation%20Program%20Annual%20Reports/Annual%20Report%202022.pdf
[4]https://news.cornell.edu/stories/1997/05/survey-also-finds-lack-confidence-qualifications-arbitrators
[5] https://simc.com.sg/news/singapore-international-mediation-centre-celebrates-decade-growth-unveils-ai-powered-tool
[6] Chrome extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.suzanacremasco.adv.br/cms/wp-content/uploads/20231212-relatorio-de-pesquisa-mediacao-brasil-icfml-2023.pdf
Sobre a Autora
Leila Siqueira Pereira Amboni é Sócia do Amboni e Pieratti Advogadas. Mediadora de Conflitos capacitada pelo MEDIARE. Advogada, graduada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ. Pós-graduada em Direito do Estado e da Regulação pela Fundação Getúlio Vargas. Especializada em Direito do Petróleo pelo Instituto Brasileiro do Petróleo e com formação em Práticas Colaborativas pelo IBPC. Coordenadora do GT de Família e Sucessões do Mediare e do Núcleo de Mediação Familiar da Rede Postinho de Saúde; Facilitadora de CNV em diversos workshops. Conselheira consultiva do Instituto Mediare e supervisora de Mediação pelo Mediare na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.