Parceria jurídica: do CPF ao CNPJ — o valor invisível da confiança entre cliente e escritório
Por Anna Carvalho*
Estar dos dois lados da mesa — já advoguei em escritórios e hoje atuo dentro de empresa — me fez enxergar que a relação entre jurídico interno e externo é muito mais sobre pessoas do que sobre pareceres. Costumamos acreditar que o que pesa são cláusulas, horas de trabalho, nomes de peso. Mas, no fundo, o que sustenta essa relação é confiança. E confiança se constrói nos detalhes, nos gestos discretos, nas atitudes que muitas vezes passam despercebidas, mas que fazem toda a diferença na prática diária.
Se considerarmos demandas críticas e o fator tempo, vimos que algumas demandas são especialmente críticas para o suporte de escritórios externos: litígios estratégicos, crises regulatórias inesperadas, temas tributários complexos e investigações de compliance. Nessas situações, não há margem para erro. A atuação precisa vir com rapidez, profundidade e pragmatismo — e o escritório precisa entender que, na empresa, nada é linear.
Lembro de uma situação tensa: recebi uma réplica às seis da tarde, com prazo para meia-noite. Formalmente, o escritório havia cumprido sua obrigação. Mas como revisar narrativa, conferir alinhamento com áreas técnicas e ainda ter segurança de enviar a peça? Resultado: ansiedade, retrabalho e sensação de abandono. Já vi colegas recusarem trabalhar com determinados escritórios apenas por situações assim.
Por outro lado, também já vivi a experiência oposta: receber uma minuta dias antes do prazo, com tempo de revisar com calma, incluir dados técnicos, alinhamentos de histórico e narrativa consistente. A sensação não foi de cobrança, mas de parceria genuína. Como costumo dizer: “Se a empresa pede antecedência, é porque tem seus motivos. Não cabe ao escritório ignorar. VÁRIOS ignoram”. Quando respeitam isso, a relação muda completamente: confiança cresce, retrabalho diminui e a peça final é muito melhor.
Dentro da empresa, o tempo é um personagem constante. Um pedido da matriz às dez da noite, uma reunião extraordinária da diretoria, uma notificação regulatória sem aviso — tudo acontece. Não se trata de “trabalho fora de hora por capricho”. Eu mesma costumo pedir desculpas quando aciono alguém no sábado, e quem já trabalhou comigo sabe: quando digo “a casa caiu”, é porque caiu mesmo. Escritórios que entendem essa dinâmica ajustam agendas, priorizam demandas e entregam com agilidade, sem sacrificar qualidade. Uma colega resumiu: “Timing é tudo. Não é luxo, é sobrevivência”
Vejo o conhecimento do negócio como diferencial, e em situações críticas, o conhecimento prévio do negócio e do setor pesa mais do que qualquer currículo ou prestígio. Um escritório que já fala a língua da empresa transmite confiança imediata. Posso afirmar que essa familiaridade tem influência total na escolha de quem será parceiro em temas estratégicos.
É encantador quando um escritório não entrega apenas uma resposta jurídica, mas traz benchmarking, dados de mercado, números confiáveis e sugestões que fortalecem o negócio. Uma amiga disse algo que ecoa até hoje: “Quero um escritório que entenda do meu negócio e me ajude a fazer dinheiro”. Não é apenas litígio: é prosperidade, visão estratégica e real contribuição ao crescimento da empresa.
Já presenciei também o efeito contrário. Escritórios focados apenas em formalidade ou em pareceres acadêmicos podem ser tecnicamente impecáveis, mas economicamente inviáveis. Um parecer tributário lindo, profundo e irretocável pode se tornar inútil se não houver viabilidade prática ou custo compatível. Como disse uma colega: “O ótimo não pode ser inimigo do bom”.
Outro ponto crítico é a clareza sobre custos e condições contratuais. Já recebi faturas mais altas do que o combinado, sem qualquer explicação. O impacto é quase o mesmo de perder um prazo: frustração e quebra de confiança. Escritórios que comunicam de forma clara honorários, alternativas e cenários de impacto ganham respeito e fidelidade.
Uma colega resumiu bem: “Quando a conta chega de surpresa, o efeito é o mesmo de um prazo perdido: frustração e quebra de confiança”.
Os pontos de antecipação e inovação são extremamente relevantes. A capacidade de antecipar tendências regulatórias ou mudanças legislativas é outro fator decisivo. Um alerta antes de uma mudança de regra, acompanhado de cenários de impacto, pode evitar horas de crise e milhões em prejuízo.
Escritórios que combinam isso com inovação tecnológica — dashboards de acompanhamento, gestão de documentos e prazos automatizada — mostram profissionalismo, eficiência e visão estratégica. Já aqueles que insistem em processos antiquados, baseados em planilhas manuais e PDFs intermináveis, passam sensação de atraso, insegurança e sobrecarga para o jurídico interno.
Pequenas diferenças, muitas vezes invisíveis, são responsáveis por construir ou quebrar a confiança.
A comunicação também faz toda a diferença. E-mails claros, com sumário executivo no início, economizam tempo precioso. Relatórios longos e densos, sem destaque para pontos-chave, viram peso morto. Em muitas situações, reuniões rápidas, objetivas e bem estruturadas funcionam melhor do que trocas intermináveis de documentos.
Uma colega chegou a vetar um escritório inteiro por ignorar esse cuidado. Parece detalhe, mas detalhes assim constroem ou corroem relações. Pequenas atitudes — revisar uma minuta, entregar com antecedência, fazer um resumo executivo — fazem diferença enorme na percepção do jurídico interno sobre o escritório.
E não se trata apenas de técnica. Humildade, empatia, escuta ativa e interesse genuíno pelo negócio fazem toda a diferença. São habilidades interpessoais que muitas das vezes são invisíveis.
Já vi especialistas brilhantes insistirem em um tema que não dominavam, quando poderiam ter admitido e indicado outro colega. Como teria sido mais simples ouvir: “Esse tema não é meu forte, mas posso indicar alguém que domina”. Uma colega resumiu com precisão: “Humildade não diminui ninguém; fortalece”.
Outro ponto é a visão de negócio: escritórios que sugerem soluções, alertam sobre oportunidades ou riscos, apresentam ideias para reduzir custos ou gerar receita, tornam-se verdadeiros parceiros, e não apenas fornecedores de pareceres.
E o que eu mudaria? Se pudesse sugerir uma mudança imediata, seria simples: mais escuta ativa. Escutar não apenas a pergunta jurídica, mas a dor real do cliente. O benefício? Menos retrabalho, mais alinhamento e uma relação de confiança duradoura.
Também incluiria momentos formais de alinhamento de expectativas, como encontros periódicos entre internos e externos. Conversas francas sobre o que funcionou, o que não funcionou e como podemos evoluir ajudariam muito ambos os lados.
No fim das contas, tamanho, estrutura ou reputação não são o mais importante. Já contratei grandes bancas e boutiques especializadas, mas percebo que confio mais no CPF do que no CNPJ. A parceria jurídica de verdade acontece quando entendemos que não se trata apenas de entregar uma peça ou fechar um parecer, mas de caminhar lado a lado, com confiança, humildade, visão estratégica e respeito ao tempo e ao negócio.
A confiança invisível — mais que qualquer cláusula ou contrato — é o que transforma advocacia em parceria de vida.
Sobre a Autora
Anna Carvalho é Compliance & Litigation Manager na New Fortress Energy; licenciada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pós-graduada em Direito Empresarial pela Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e pós-graduada em Petróleo e Gás - MBP pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ). Membra da Comissão de Petróleo e Derivados da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB/RJ). Formação de Conselheiros pela FGV-RJ e em Finanças para Conselhos pela Ecossistema Inova - ConselheirosTrendInnovation. Conselheira do CA do Instituto da Previdência e do Conselho Consultivo do Abraço Campeão. Diretora de Relações Institucionais do Instituto de Compliance Rio de Janeiro. (IC Rio). Diretora da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (Abespetro). Professora convidada do Curso de Pós-Graduação/L.L.M. da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Future Law. Participou do Programa Executivo – Liderança como Corporate Counsel (Departamento Jurídico) em Harvard Law School. Trabalha como mentora voluntária de educação nas ONGs ISMART (do grupo do Marcel Teles) e no JA - Junior Achievement.
Sobre a Coordenação
Fernanda é executiva jurídica com mais de 25 anos de experiência combinada em escritórios de advocacia e empresas no Brasil e no exterior. Formada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), fez LLM na New York University (NYU) e é mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Fez MBA em Varejo Físico e Online na USP. Atualmente é Vice Presidente Jurídica e de Relações Institucionais da Atvos, alinhando à sua trajetória a missão de transformar o mundo com energia renovável, e é Presidente do Conselho Deliberativo do Pro Criança Cardíaca, associação sem fins econômicos com foco no tratamento de crianças com cardiopatia.
Carolina Sussekind é executiva jurídica com mais de 20 anos de experiência em escritórios de advocacia e no jurídico interno de empresas. Atualmente é diretora jurídica da Vinci Compass no Brasil. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Fez LL.M em Direito Societário pela NYU. Tem experiência em direito empresarial, mercado de capitais e contratos nacionais e internacionais.




