Por que se dedicar à cláusula de resolução de disputas: detalhes podem ser decisivos para o futuro do seu contrato
Por Livia Ikeda*
É provavelmente seguro afirmar que todo advogado de contencioso com algum tempo de estrada já recebeu, em determinado momento da carreira, uma ligação ou mensagem inesperada de um colega ou cliente com o pedido para “dar uma olhadinha” em uma cláusula de resolução de disputas, “só para ver se está tudo certo”.
A frequência com que as cláusulas de resolução de disputas são relegadas a segundo plano, em favor daquelas que tratam da substância do negócio, faz com que sejam rotineiramente denominadas “midnight clauses” – redigidas durante a madrugada, após noites de pouco sono e muito trabalho, cujas consequências só serão percebidas se o negócio resultar em litígio.
E essas consequências podem ser significativas. Cláusulas elaboradas sem o devido cuidado podem não apenas impedir que o litígio seja resolvido da maneira mais adequada e eficiente, mas também ocasionar atrasos em momentos críticos ou, no pior dos pesadelos, nulidades. Em situações extremas, cláusulas patológicas podem ser mais prejudiciais do que a própria ausência de previsão.
Dubiedades e lacunas, facilmente sanáveis na fase de negociação, podem se transformar em problemas que consumirão tempo e recursos, caso a falha somente seja constatada quando a animosidade já tiver se instalado entre as partes – e uma delas se veja encorajada a explorar qualquer brecha contratual como vantagem.
No entanto, de nada adianta transferir a negociação dessas cláusulas para a luz do dia se as partes acreditarem na existência de um modelo padrão aplicável a toda e qualquer situação ou ignorarem as consequências das escolhas sobre elementos tidos como menores.
É fundamental, portanto, que contratantes frequentes conheçam os mecanismos de solução de disputas disponíveis e estabeleçam melhores práticas para a resolução de seus litígios, considerando as características de cada contrato e munindo suas equipes de informações sobre os principais pontos a serem observados na negociação.
Somente a partir da compreensão dos mecanismos existentes e dos elementos centrais na redação da cláusula é possível definir o método de solução de disputas mais adequado para cada caso e, então, redigi-la corretamente. E esse estudo deve ser realizado fora do contexto de uma negociação contratual específica, pois é ineficiente (e altamente improvável) que as partes se disponham a tanto enquanto discutem os termos substanciais do negócio.
- O cuidado na escolha do método
Entre os métodos disponíveis, arbitragem, mediação e dispute boards têm recebido atenção crescente, diante da busca das partes – muitas vezes sediadas em países com culturas jurídicas distintas – por procedimentos confiáveis, eficientes e adaptados às suas necessidades. No Brasil, o problema crônico da demora na obtenção de soluções finais pelo Poder Judiciário e a possibilidade da disputa ser decidida por julgadores especializados no tema também são frequentemente apontados como motivos para a adoção de métodos alternativos ao juízo estatal.
Há vastíssimo material e experiência prática sobre cada um desses métodos, que podem servir como auxílio para a eleição daquele (isoladamente ou em conjunto) que será empregado no caso. As instituições que administram tais procedimentos são igualmente dispostas a fornecer informações e detalhes sobre os métodos em si ou sobre sua própria experiência em particular, sendo altamente recomendável uma consulta prévia para melhor entendimento e alinhamento de expectativas.
Vale aqui apenas o alerta para que seja previsto, de forma inequívoca, o momento a partir do qual cada mecanismo pode ser acionado, sobretudo quando pactuada uma cláusula escalonada. Ou seja, deve-se ter especial cuidado se a cláusula impuser uma sequência de métodos, como, por exemplo, uma tentativa prévia de negociação direta, seguida de mediação e, apenas em caso de insucesso, recurso à arbitragem ou ao Judiciário. Também é essencial estabelecer a possibilidade de acesso imediato a árbitros de emergência ou ao próprio Judiciário, em hipóteses de pleitos urgentes.
Não são raras as vezes em que as partes discordam sobre o devido atendimento ou não a esse encadeamento. Por isso, definir se a sequência é obrigatória, se pode ser renunciada ou em quais hipóteses será considerada atendida é crucial para evitar que esse sistema, embora extremamente útil em diversas modalidades contratuais, se converta ele próprio em fonte de disputas laterais.
- A relevância dos detalhes
A escolha do método, por si só, não basta. Na arbitragem, por exemplo, elementos como idioma ou sede, que podem parecer de pouca consequência prática, são capazes de alterar o procedimento de forma profunda e inesperada.
Listo, a seguir, alguns pontos que merecem atenção no momento de elaborar a cláusula, mas que costumam ser relegados a segundo plano.
- Idioma, sede e foro de eleição
A escolha do idioma decorre, em geral, da mera conveniência das partes, elegendo-se aquele mais comumente falado por seus colaboradores ou o idioma no qual se encontram redigidos a maior parte dos documentos relacionados ao negócio. Frequentemente, as partes também optam por escolher um idioma diferente de sua língua nativa (em geral, inglês) apenas para permitir que suas matrizes ou controladores sediados no exterior possam acompanhar o caso com mais facilidade.
Entretanto, a escolha do idioma pode impactar, de forma não desprezível, elementos de extrema importância, como os árbitros ou mediadores aptos a atuarem no caso, bem como os experts, técnicos ou jurídicos, que poderão ser engajados. Se é verdade que pareceres escritos podem sempre ser traduzidos, em diversas oportunidades prefere-se eleger auxiliares fluentes no idioma do procedimento, seja para facilitar o exame da documentação ou mesmo para permitir que prestem depoimentos orais sem a intermediação de intérpretes, caso uma oitiva em audiência se faça necessária.
Já presenciei hipóteses em que partes brasileiras acabaram por eleger árbitros, experts e até engajar escritórios estrangeiros apenas porque a arbitragem tramitava em inglês, embora sediada no Brasil, aplicando-se lei brasileira e sem qualquer elemento que levasse o caso a se tornar internacional.
A sede da arbitragem – que não se confunde com o local físico dos atos do procedimento, os quais, em geral, podem ser praticados onde a conveniência indicar –estabelece a jurisdição cuja lei de arbitragem (lex arbitri) regerá o procedimento. Isso inclui regras sobre condução do procedimento e fundamentos para impugnação da sentença, bem como a quais tribunais questões como essas poderão ser submetidas.
Na ausência de acordo específico, a sede pode ser determinante para a definição da lei aplicável à própria cláusula arbitral.
A escolha da sede deve, portanto, considerar fatores como neutralidade, jurisprudência dos tribunais locais, exequibilidade de decisões e sentenças e as garantias processuais disponíveis às partes pela legislação aplicável, sempre à luz das características das partes e do contrato.
É ainda recomendável que as partes prevejam uma cláusula de eleição de foro para onde devem ser dirigidas matérias não sujeitas à arbitragem, como medidas de urgência ou de caráter executório. A cláusula de eleição de foro é distinta da cláusula de arbitragem e sua coexistência não gera jurisdição concorrente; cada qual se aplica ao seu respectivo âmbito.
Ao escolher o foro, as partes devem avaliar, entre outros fatores, conveniência para citações e intimações, existência de Varas ou Câmaras especializadas e, claro, observar os requisitos legais estipulados na lei brasileira, se aplicável.
- Escolha da instituição
Se as partes não desejam uma arbitragem ad hoc, a melhor prática recomenda eleger, no contrato, a instituição que conduzirá a arbitragem, conforme seu regulamento.
Dois aspectos merecem destaque. Primeiro, embora existam diversas instituições extremamente qualificadas para administrar arbitragens, mediações e dispute boards, cada qual possui peculiaridades que vão muito além de custas e despesas, capazes de torná-las mais ou menos convenientes.
Por exemplo, há regulamentos que exigem da parte requerente a indicação do árbitro já no momento da submissão do pedido de instituição da arbitragem; outros, preveem que isso ocorra em prazo comum posterior. As regras também variam quanto a temas como árbitro de emergência, impugnação de árbitros ou escrutínio prévio da sentença pela própria instituição. Ou seja, mesmo dentre instituições reconhecidas e consolidadas, há diferenças relevantes a serem consideradas no momento da escolha.
O segundo aspecto refere-se à clareza quanto à versão das regras editadas por essas instituições a ser utilizada no procedimento. Em geral, as partes podem optar pelas regras vigentes na data da contratação (e, portanto, já plenamente conhecidas) ou pelas que estiverem em vigor na data de início do procedimento (que podem já ter sofrido alterações, portanto, desde a assinatura do contrato). A decisão, como sempre, deve observar as particularidades do caso.
Como última nota nesse tópico, destaco que as principais instituições divulgam cláusulas padrão que podem ser adotadas pelas partes em seus contratos. A prudência recomenda segui-las tanto quanto possível, por se tratar de textos já testados, evitando que as partes ingressem em terreno incerto.
- Por fim, o óbvio
Nunca é demais lembrar: acima de tudo, a cláusula deve atender aos requisitos formais da lei aplicável. No Brasil, basta que a cláusula arbitral seja estipulada por escrito, havendo exigências adicionais caso o contrato seja firmado por adesão (art. 4º, §§ 1º e 2º da Lei de Arbitragem).
Vale ainda lembrar que arbitragens envolvendo a administração pública são sujeitas a normas específicas, previstas tanto na Lei de Arbitragem quanto em outros diplomas e na legislação estadual ou municipal. É fundamental que esses requisitos sejam também observados em contratos que envolvam tais entes, para assegurar a higidez do procedimento.
Sobretudo, a regra de ouro é redigir cláusulas com clareza, precisão e, principalmente, simplicidade. É igualmente essencial garantir a compatibilidade entre cláusulas inseridas em contratos coligados, evitando conflitos se o litígio envolver mais de um instrumento.
- O papel dos escritórios: da checagem técnica à coparticipação estratégica
Em suma, as partes podem extrair relevantes benefícios se dedicarem o devido cuidado à redação das cláusulas e compreenderem, em sua totalidade, as consequências de cada escolha feita no acordo.
Como se vê, são múltiplas as decisões que recaem sobre a diretoria jurídica das empresas e, nesse contexto, contar o apoio de um escritório especializado, com profundo conhecimento em cada um dos seus aspectos e com a experiência de sua aplicação prática, pode ser o fator determinante para um resultado exitoso.
O escritório é capaz de traduzir a complexidade de cada um dos elementos relevantes na redação da cláusula e auxiliar no seu alinhamento com a cultura da companhia e com as especificidades de cada negócio. Há a vantagem de conhecer, na prática, os problemas decorrentes da adoção de uma ou outra redação, podendo indicar quais elementos já estão amadurecidos nos diversos setores – infraestrutura, M&A, tecnologia, construção – poupando o cliente de partir do zero a cada novo projeto.
Assim, em vez de simplesmente assumir o papel de análise técnica de adequação e de risco, o escritório pode antecipar cenários prováveis, explicitar as consequências práticas de cada escolha e quantificar – o melhor possível – seus impactos financeiros e operacionais.
Há casos, por exemplo, em que a morosidade na obtenção de uma decisão final não apenas elevaria custos e riscos, mas poderia inviabilizar o projeto, como ocorre em contratos complexos de longa duração, especialmente os de infraestrutura, paralisados por anos à espera de solução. Nessas hipóteses, a eleição de um método inicialmente mais dispendioso pode ser muito mais recomendada, caso ele possa reduzir os riscos de paralisação gerada por uma disputa entre as partes.
Ao escolher o idioma, escritório e cliente podem identificar que, em dado negócio, é mais recomendado submeter o litígio a árbitros mais conhecedores das realidades locais, ou, do contrário, com maior experiência internacional, ainda que isso traga impactos na operação ou nas despesas gerais do caso.
O escritório pode, portanto, contribuir propondo um processo decisório comparativo, em que se coloque, lado a lado, opções tecnicamente adequadas, com suas respectivas estimativas – de custas, honorários de árbitros, janela média de duração do procedimento, jurimetria – auxiliando as diretorias jurídicas a tomar decisões baseada em dados tangíveis, ponderando-as com suas próprias questões internas – restrições orçamentárias, fluxo na operação, cultura empresarial.
Em suma, o trabalho do escritório pode extrapolar o cuidado técnico na redação da cláusula de resolução de disputas, para também traduzir a complexidade do tema e oferecer recomendações comparativas baseadas em dados. Ao fazê-lo, contribui para que a diretoria jurídica exerça seu papel de gestor de riscos com maior previsibilidade, reforçando o seu espaço fundamental na governança corporativa das empresas.
Sobre a Autora
Livia Ikeda é Advogada. Pós-graduada em Direito Privado Patrimonial pela Pontificia Universidade Católica (PUC-Rio). Reconhecida pela Best Lawyers em Arbitragem, Mediação e Contencioso-2025. Recomendada pelo Lexology Index em Arbitragem - Future Leaders-2025. Reconhecida pela Leaders League como Líder em Contencioso Cível e Comercial -2025. Classificada pela Best Lawyers em Resolução Alternativa de Disputas e Contencioso - 2025. Coordenadora Regional do CBAr- Rio de Janeiro e Vice-Presidente Regional do Rio de Janeiro da Camarb (Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial). Sócia de Bermudes Advogados.





