Quando o Direito Encontra o Negócio
Bem-vindos à nossa coluna sobre o jurídico corporativo!
Por Fernanda Freitas*
Diretora Jurídica do Grupo Soma
Apesar de sua relevância crescente nas organizações, o universo dos departamentos jurídicos corporativos ainda carece de espaços dedicados a discussões consistentes, atualizadas e profundas sobre seus desafios, potencialidades e transformações.
Ainda não são tão frequentes as iniciativas voltadas exclusivamente à troca de experiências, à reflexão crítica e à construção de conhecimento sobre o papel que esses times desempenham — e podem desempenhar — dentro das empresas.
É justamente a partir desse vazio que nasce esta coluna: um espaço de escuta ativa, partilha generosa e provocação construtiva. Um canal pensado para reunir olhares diversos e promover o debate sobre a atuação estratégica do jurídico no ambiente corporativo — com todos os seus dilemas cotidianos, suas múltiplas interfaces e suas possibilidades de impacto real nos rumos do negócio.
Carolina Sussekind e eu, parceiras em diversos momentos da vida profissional, assumimos a curadoria desta coluna movidas por um desejo genuíno de lançar luz sobre as camadas mais profundas da atuação jurídica no ambiente corporativo — suas complexidades técnicas, dilemas de liderança e os aprendizados que emergem do encontro cotidiano com pessoas, áreas e decisões que moldam os negócios. Enxergamos aqui uma oportunidade valiosa de conectar nossas trajetórias às de outros profissionais que vivem esse universo tão plural do jurídico in house.
Minha transição para o ambiente corporativo não foi uma decisão repentina — ela nasceu de um processo profundo de escuta interna, de reflexão sobre os caminhos que eu queria construir e sobre o impacto que gostaria de gerar com a minha atuação no mundo jurídico. Mais do que um movimento profissional, foi uma escolha alinhada aos meus valores, ao desejo de contribuir de forma mais integrada e significativa para os ecossistemas em que me insiro.
Durante muitos anos, atuei intensamente em escritórios de advocacia. Esse período me proporcionou uma base técnica sólida, construída em contextos exigentes, marcados pela busca constante pela excelência e pela oportunidade de lidar com uma grande pluralidade de setores e tipos de operações. Foram experiências que me ensinaram a ter rigor, olhar analítico e clareza jurídica — mas também a escutar, articular e traduzir complexidades em soluções viáveis.
Com o tempo, fui assumindo a coordenação de projetos jurídicos de média e grande complexidade, envolvendo profissionais de múltiplas especialidades e formações. Essa vivência me levou além dos limites da especialização. Passei a enxergar o Direito de forma mais sistêmica, a navegar com mais confiança por temas novos e a ocupar um lugar mais ativo nas discussões estratégicas dos clientes — contribuindo não apenas com o mapeamento de riscos, mas com a construção de caminhos.
Foi nesse processo que algo começou a pulsar com mais força: a vontade de estar mais próxima do centro das decisões, de acompanhar a jornada dos projetos desde a sua concepção até a sua materialização. Sentia, também, uma crescente necessidade de me cercar de olhares diversos, histórias diferentes, realidades mais amplas — de expandir minha atuação para além da dimensão jurídica e viver um cotidiano profissional mais conectado com pessoas, negócios e transformação.
Nesse contexto, o ambiente corporativo deixou de ser uma hipótese remota. Tornou-se uma escolha consciente, coerente com minha trajetória e com a forma como eu queria viver minha profissão: com profundidade, presença e propósito.
Com a Carolina, esse movimento também foi sendo construído ao longo do tempo. Após trabalhar mais de 17 anos em renomados escritórios, há 6 anos aceitou o convite para ser advogada in house de uma grande gestora de recursos e participar das operações por outro ponto de vista. Ela acredita que o ambiente empresarial oferece um campo fértil para o desenvolvimento profissional, com a oportunidade de ampliar sua atuação para além da análise técnica e contribuir diretamente para os rumos estratégicos do negócio.
Curiosamente, quando Carolina e eu iniciamos nossas trajetórias, o jurídico corporativo ainda não era apresentado como uma opção clara de carreira. Na faculdade, os caminhos mais naturais eram as carreiras públicas — no Judiciário, em empresas estatais, em autarquias — ou a advocacia tradicional em escritórios. O ambiente empresarial parecia uma alternativa distante e, até ouso dizer, desconhecida. Essa percepção foi se transformando com o tempo, na medida em que, assessorando empresas de diferentes setores, fomos sendo convidadas a mergulhar nos bastidores das decisões corporativas, conhecendo as dinâmicas internas e percebendo o valor que o jurídico pode agregar ao negócio.
Hoje, temos o privilégio de vivenciar o cotidiano de onde as decisões realmente acontecem, participando de projetos do seu início até a implementação final. Atuamos lado a lado com profissionais de diversas áreas, construindo soluções jurídicas que não apenas viabilizam, mas também fortalecem os objetivos estratégicos das empresas em que atuamos.
Trabalhar no jurídico corporativo é, acima de tudo, compreender o negócio em sua totalidade — suas engrenagens, riscos, oportunidades e, sobretudo, suas pessoas. É agregar ao nosso perfil técnico a capacidade de atuar como um parceiro estratégico, que contribui ativamente para decisões complexas e soluções eficazes. É estar no centro das discussões que movem a organização e geram impacto real.
É justamente essa vivência — intensa, desafiadora e transformadora — que inspira o conteúdo desta coluna. Nosso propósito é construir, edição após edição, um espaço vivo e em permanente evolução, onde os temas abordados reflitam não apenas a experiência prática de quem atua no jurídico corporativo, mas também as inquietações, interesses e prioridades de quem nos lê.
Mais do que um roteiro fechado, esta será uma jornada construída ao longo do tempo, na qual queremos contar com a opinião dos leitores sobre o que entendem ser relevante para o universo in house. Queremos que os assuntos aqui tratados nasçam do diálogo, da troca e da observação cuidadosa das transformações que atravessam a prática jurídica dentro das empresas.
Naturalmente, não há como deixar de tratar de temas relacionados à carreira jurídica, como as transições entre escritório e empresa, os diferentes caminhos de crescimento dentro do ambiente corporativo, as competências necessárias em cada etapa e como construir uma trajetória consistente e com propósito nesse contexto.
A liderança jurídica tende a ser outro pilar importante da nossa reflexão. Buscaremos discutir como liderar em ambientes de alta exigência, equilibrando qualidade técnica com gestão de pessoas, entrega de valor e integridade. Formação de times, cultura organizacional, confiança e tomada de decisão em cenários complexos e ambíguos são exemplos da riqueza de temas que podem ser explorados.
Também queremos aprofundar a discussão sobre competências comportamentais e técnicas — as chamadas soft e hard skills — e como elas se complementam na formação de profissionais jurídicos versáteis e preparados. Comunicação, inteligência emocional, negociação, raciocínio estratégico, atualização contínua e domínio técnico serão alguns dos temas abordados.
Teremos a oportunidade de trazer também a abordagem da gestão dos departamentos jurídicos, com foco em eficiência, indicadores, estruturação de times e alinhamento com os objetivos do negócio. A busca por performance e desenvolvimento sustentável no jurídico será um ponto de atenção constante.
Adicionalmente, este espaço pode se dedicar a apresentar frentes de inovação que o jurídico corporativo pode e deve liderar. A introdução de novas tecnologias, automação de processos, implementação de soluções digitais e uso de dados para embasar decisões jurídicas já transformam a prática — e queremos refletir sobre como o jurídico pode ser protagonista nesse movimento.
O relacionamento com escritórios de advocacia parceiros também aparece como interessante pauta. Buscaremos explorar estratégias para construir relações produtivas, com confiança, clareza de expectativas, definição de escopos e foco em soluções sob medida para o negócio. Em tempos de crescente complexidade e urgência, esse diálogo precisa ser cada vez mais estruturado e colaborativo.
Além disso, este espaço também pode ser uma oportunidade para discussões técnicas sobre temas centrais da prática jurídica atual: contratos complexos, M&A, compliance, governança, ESG, proteção de dados, relações governamentais, sustentabilidade, tecnologia, propriedade intelectual, litígios estratégicos, relações com investidores — entre muitos outros.
Como dito, o desenho desse nosso ambiente de interação será feito aos poucos, a partir do contato com os leitores e com quem tenha interesse em compartilhar conhecimento e experiências. E, de fato, não estaremos aqui sozinhas. Pretendemos ter a participação de convidados especiais — profissionais que admiramos e que trarão olhares diversos, experiências ricas e provocações relevantes. A ideia é ampliar o debate, enriquecer o conteúdo e trazer à tona os aprendizados que nascem da prática real.
Esta será, portanto, uma coluna viva. Um espaço aberto ao diálogo e à troca genuína. Um lugar para quem atua ou deseja atuar em departamentos jurídicos se reconhecer, se desenvolver, se inspirar — e, por que não, se reinventar.
Convidamos todos a acompanhar nossas publicações e fazer parte dessa jornada. Vamos, juntos, ampliar a visão sobre o papel do jurídico nas empresas e construir, de forma coletiva, uma advocacia cada vez mais estratégica, inovadora, sensível e relevante.
Até a próxima coluna!
Sobre a Autora
Fernanda é executiva jurídica com mais de 25 anos de experiência combinada em escritórios de advocacia e empresas no Brasil e no exterior. Formada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), fez LLM na New York University (NYU) e é mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Fez MBA em Varejo Físico e Online na USP. Atualmente é Diretora Jurídica do Grupo Soma, no segmento varejista de moda, e é Presidente do Conselho Deliberativo do Pro Criança Cardíaca, associação sem fins econômicos com foco no tratamento de crianças com cardiopatia.
Sobre a Coordenação
Fernanda é executiva jurídica com mais de 25 anos de experiência combinada em escritórios de advocacia e empresas no Brasil e no exterior. Formada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), fez LLM na New York University (NYU) e é mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Fez MBA em Varejo Físico e Online na USP. Atualmente é Diretora Jurídica do Grupo Soma, no segmento varejista de moda, e é Presidente do Conselho Deliberativo do Pro Criança Cardíaca, associação sem fins econômicos com foco no tratamento de crianças com cardiopatia.
Carolina Sussekind é executiva jurídica com LL.M em Direito Societário pela NYU (2007). Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2001).Tem experiência nas áreas de Direito Societário e de Contratos. Professora da disciplina "Sociedade Anônima e Mercado de Capitais" no LL.M. de Direito Empresarial do IBMEC-RJ (2017).