Por Fellipe Branco*
Outro dia, uma grande empresa da área farmacêutica nos procurou com um pedido direto: “Queremos um projeto de Legal Design para nossos contratos. Estamos enfrentando muitos erros de preenchimento.”
Na hora, isso acendeu um alerta. Quando ouço “erros de preenchimento”, já sei que o problema pode estar em várias camadas e nem sempre onde se imagina. Comecei a perguntar mais. Que tipo de erro? Em que momento do processo? Quem preenche? Como a minuta certa é escolhida?
Foi aí que a verdadeira história começou a se revelar.
A pessoa responsável por gerar os contratos era alguém em início de carreira, com pouca (ou nenhuma) formação jurídica. Para encontrar a minuta correta, ela precisava navegar por uma matriz em Excel com mais de 500 modelos diferentes. Depois disso, abria o documento e fazia o preenchimento manual, para só então enviar para a área demandante.
Agora perceba, se qualquer detalhe fosse escolhido errado (e acontecia muito!), todo o processo precisava ser reiniciado. E o pior: muitas vezes o erro só era percebido depois do contrato já assinado.
Não era um problema de aparência do documento. Era um problema sistêmico. O cenário envolvia um sistema complexo, com dezenas de modelos similares, um processo manual sujeito a falhas e uma operação que dependia de uma pessoa que não tinha as ferramentas certas para decidir qual minuta usar.
Nesse contexto, redesenhar apenas o template dos contratos não resolveria a dor.
O que aquela empresa realmente precisava era de um mapeamento do fluxo, uma racionalização da matriz de contratos e uma forma simples e segura de guiar quem estivesse na ponta para encontrar a minuta correta. Uma classificação coerente das minutas que facilitasse e filtrasse as possíveis escolhas. E é justamente aqui que entra o verdadeiro papel do design: como abordagem para entender o problema, estruturar soluções e melhorar a experiência e a eficiência do processo como um todo.
Somente depois disso faria sentido evoluir para ajustes no conteúdo ou na apresentação dos contratos.
Essa história reforçou um aprendizado que levo para todos os projetos. Design não é só estética, não é só visual, não é só diagramação. Design é uma ciência da resolução de problemas. É o que nos permite enxergar além da superfície e redesenhar fluxos, sistemas, jornadas e experiências.
Por isso, quando alguém chega dizendo “precisamos de Legal Design”, a primeira pergunta que faço é: você tem clareza sobre o processo que gera esses documentos?
Antes de redesenhar, é preciso entender. Antes de pensar na entrega, é preciso pensar no sistema. E essa é uma das grandes dores do universo jurídico: Falta pensamento sistêmico.
Sobre a Coordenação
Fellipe Branco é Pai da Dora, padrasto do Tin e do Nico, rubro-negro, músico nas horas vagas e às vezes me arriscando em uns bares do Rio. No resto do tempo, sou designer de informação e legal designer, ajudando a tornar o mundo jurídico mais claro, eficiente e humano.