ESG e Resolução Consensual de Conflitos: estratégias concretas para instituições mais eficazes
Por Karina D'Ornelas* e Mariama Pieratti*
Diante da pluralidade de stakeholders que interagem de forma material com uma organização e das complexidades próprias das relações humanas, evitar o conflito é tão ilusório quanto tentar impedir que a unha cresça. No universo dos negócios, onde diversos interesses se entrelaçam a cada decisão, o antigo ideal de impor a própria vontade a qualquer custo pode se revelar como uma engrenagem cara e ineficaz de desperdiçar recursos.
Sabemos que a régua do passado já não serve mais: buscar alternativas aos métodos tradicionais de resolução de conflitos deixou de ser uma questão de eficiência e tornou-se um caminho inevitável para buscar soluções que realmente atendam aos reais interesses e objetivos dos envolvidos, dentro do tempo e dos recursos disponíveis. Mas será que apenas incluir novas formas de resolução de conflitos no fluxo decisório basta para garantir resultados satisfatórios?
O mais recente relatório de riscos do Fórum Econômico Mundial destaca que os líderes enfrentarão desafios globais cada vez mais complexos e imprevisíveis, e que as decisões tomadas nesta década serão determinantes para a sustentabilidade dos nossos negócios. Para escapar de uma espiral decrescente que coloca em risco a estabilidade de todo o sistema econômico e provoca impactos negativos severos globalmente, não resta alternativa senão encontrar caminhos para o diálogo e a colaboração.
Essa estratégia, contudo, não é simples. Quando falamos em resolução de conflitos por meio de soluções consensuais, alguns requisitos precisam estar presentes, quais sejam: (i) voluntariedade, ou seja, os envolvidos precisam querer estar à mesa; (ii) autonomia – os envolvidos têm que ser capazes de tomar decisões por si próprios; (iii) busca por um acordo equilibrado, o que, na maioria das vezes, passa por autorresponsabilização, escuta ativa e disponibilidade para se colocar no lugar do outro. E, em sociedades polarizadas, ainda é especialmente desafiador implementar soluções de benefício mútuo - entendidas, sem utopia, como resultados com os quais todos os afetados possam conviver.
Estamos, portanto, diante de uma sociedade com características belicosas e que precisa, para fins de sua própria autopreservação, desenvolver características de colaboração. Mais do que defender um prognóstico com viés pessimista ou otimista, o fundamental é uma saída possível, uma resposta para uma reflexão cada vez mais corriqueira: como saímos dessa “sinuca de bico”?
O que a prática tem demonstrado é que a forma como nós atuamos individualmente tem o poder de alterar o clima e os rumos dos conflitos. Ao aprofundarmos a compreensão sobre o que são os métodos consensuais do ponto de vista técnico, a abordagem com clientes internos ou externos e demais partes envolvidas muda significativamente, o que nos leva a resultados também bastante diferentes. Como há décadas já é ensinado pela escola de Harvard, podemos separar as pessoas dos problemas e identificar pontos em comum entre os envolvidos e seus representantes legais. Essa postura mais aberta ao diálogo, menos centrada em ataque e defesa, mas ainda atenta aos interesses em jogo, tem sido determinante nas negociações. Note-se que aqui se mencionam interesses e não posições.
Na maior parte dos casos, abrem-se mais possibilidades de soluções quando se investiga por que se quer algo (interesse) ao invés de simplesmente o que se quer (posição). Direcionar o olhar para o verdadeiro impasse em discussão e colocar o esforço em compreender os interesses de cada parte envolvida em torno de um ponto comum também tende a despertar uma postura mais colaborativa do outro lado, permitindo alcançar resultados mais eficazes.
Além disso, entender que emoção e razão atuam não como forças opostas, mas que se entrelaçam e influenciam diretamente a forma como tomamos decisões, tal como explica Antônio Damásio em O Erro de Descartes1, tem se mostrado como uma ferramenta muitas vezes decisiva diante de situações em que é preciso transformar tensão em cooperação.
Portanto, nossa postura, seja como advogados ou gestores, pode influenciar diretamente a dos demais envolvidos. Ao trazer essa reflexão para dentro das organizações, identificamos ser fundamental a presença de um fator adicional: a genuína disposição para uma mudança cultural. Afinal, a utilização quase que exclusiva da porta do Judiciário como caminho para resolução de impasses tem se mostrado cara, sem previsibilidade e extremamente demorada, por exemplo. Muitas vezes, uma resposta lenta ou ineficaz também traz exposição negativa para a organização.
Além disso, ter uma estrutura de resolução de conflitos que estimula o diálogo, a escuta ativa dos envolvidos e a busca por uma solução de benefícios mútuos é medida que está em linha com temas da Agenda 2030 da ONU. Em especial, com o ODS 16, que defende a construção de instituições eficazes, responsáveis e inclusivas, objetivo que também se traduz na forma como as empresas lidam com seus conflitos internos e externos.
Empresas que incorporam métodos consensuais à sua governança, portanto, colhem benefícios tangíveis e intangíveis. É possível identificar maior eficiência operacional, ou seja, menos tempo e recursos gastos em litígios; uma melhor gestão de riscos: diagnósticos mais precisos com a indicação das soluções mais adequadas; redução de contingências jurídicas e reputacionais. E, ainda, a melhoria do clima organizacional decorrente de relações mais saudáveis entre equipes e parceiros externos.
Em uma situação prática, uma organização social referência no sul global, ao buscar ferramentas para melhoria de conflitos internos, após um ano de consultoria especializada, conseguiu alcançar: a) a resolução interna de controvérsias que potencialmente seriam judicializadas; e b) a incorporação de ferramentas de tratamento adequado de conflitos como estrutura validada pelos líderes e seus liderados, diminuindo significativamente os impasses com os quais os gestores tinham que lidar no seu dia a dia. Tais ganhos já foram vivenciados em outros casos, concretizando inclusive reduções consideráveis de passivo financeiro.
Mas esses resultados não foram alcançados do dia para a noite. Mais do que a mera decisão das respectivas organizações de adotar uma nova abordagem para os conflitos, o sucesso dos projetos exigiu órgãos institucionais efetivamente empenhados na sua adequada implementação e engajados com o propósito. Foi necessário tempo de maturação dos projetos, tolerância ao erro, ajustes de rotas e muita consistência. Afinal, não se muda cultura apenas com alteração de fluxos decisórios. É preciso fazer o que se prega.
É fundamental que não apenas as equipes, mas também que gestores e administradores conheçam e compreendam os métodos autocompositivos para que se sintam confortáveis em avaliar a adequação ou não de sua utilização. Só se apoia com segurança aquilo que se conhece minimamente. Apenas assim a liderança se sentirá mais confortável para realizar uma melhor distribuição de papéis, alocação de recursos e tomada de decisões. Só assim a busca por soluções pacíficas deixa de depender apenas da boa vontade de um profissional e passa a ser um valor institucional capaz de gerar maiores ganhos.
Essa necessidade de apoio à mudança cultural na forma de se lidar com um conflito está alinhada à ideia de compliance transformativo, já mencionado em artigos anteriores dessa coluna. Grosso modo, trata-se de uma abordagem que busca não só garantir o cumprimento da legislação aplicável, mas também promover uma cultura organizacional verdadeiramente ética e transparente, utilizando a conformidade como um gerador de valor para o negócio. Mais uma vez, é o famoso walk the talk.
Voltando ao início: o que se demonstra aqui é que o momento adequado para aprofundarmos esse ajuste de rota é agora. Em todos os níveis, do individual ao global, é evidente a necessidade de maior abertura para o diálogo, para a colaboração e para a construção do acordo possível e efetivo. Já há muitas iniciativas de ampliação de ferramentas de resolução dentro das organizações. O passo seguinte é sairmos da mera previsão institucional para a sua implementação de fato, tratando tais ferramentas como um verdadeiro princípio a ser observado dentro das organizações.
É o momento de sermos capazes de transformar os conflitos em oportunidades. Como defende William Ury2 em seu mais recente livro, mais que otimistas ou pessimistas, devemos ser possibilistas, ou seja, concentrar nossa energia na capacidade de encontrar soluções eficientes e viáveis. Não se trata apenas de mudar processos, mas de cultivar uma cultura em que diálogo e colaboração sejam valores tão inegociáveis quanto integridade e transparência. Se queremos organizações resilientes e sociedades mais estáveis, precisamos transformar a forma como lidamos com conflitos agora.
Sobre os Autores
Karina D'Ornelas é Advogada. Pós-graduada em Direito Civil-Constitucional pela UERJ. Pós-graduada em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUC-RS. Especializações em Direito Ambiental e Direito Empresarial pela FGV Direito Rio. Mestre em História da Arte pela Escola de Belas Artes da UFRJ. Liderança executiva em ESG e Consultora Sênior em Sustentabilidade Corporativa. Integrante do Comitê de Ética do Pró-criança Cardíaca. Diretora Técnica da Fundação Hermann Hering. Professora e mentora para advogadas negras, também é coautora dos livros "Jurídico 5.0 & Operações Exponenciais” (2024) e “Direito Ambiental Empresarial: desafios, estratégias e inovação sustentável” (2025).
Mariama Pieratti é Advogada e Mediadora. Mestre em Direito Privado pela Sorbonne. Certificada em negociação pela Harvard Law School. Sócia do Amboni & Pieratti Advogadas.
Referências
DAMÁSIO, António R. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Companhia das Letras, 1996.
Ury, William. Possible: How We Survive (and Thrive) in an Age of Conflict. Harper Business, 2024.